Túnel do Tempo – Memórias de um Astrônomo

A ESMERALDA TÍMIDA

Luiz Augusto L. da Silva*

No volume 3  do enciclopédico Celestial Handbook (Dover, 1978), Robert Burnham relata que a secundária de Antares foi primeiro observada pelo astrônomo austríaco Johann Tobias Bürg (1766-1834) em Viena, durante uma ocultação lunar em 13 de Abril de 1819, quando a estrela reapareceu no limbo escuro. Ele anotou em seu diário:

“Às 12h03min17.1s observei a emersão de uma estrela de magnitude 6.7 a qual, 5 segundos depois, me pareceu uma estrela de primeira magnitude. (…) Talvez Antares seja uma estrela dupla, e a primeira pequena observada esteja tão próxima à estrela principal que ambas, mesmo vistas com um bom telescópio, não aparecem separadas.”

Em 1844, a pequena estrela foi vista de novo por Grant, na Índia, e depois independentemente por O. M. Mitchel (1809-1862), com o telescópio refrator de 11.7 polegadas do Observatório de Cincinnati, em 1845-46.

Estrela Dupla

De fato, Antares é uma estrela binária. A principal, supergigante vermelha, é variável do tipo semirregular, e a sua satélite é uma estrela anã branca. Embora o par seja real, nenhum movimento da secundária ao redor da principal foi observado desde a descoberta. Um cálculo por J. Hopmann em 1957 sugeriu uma órbita circular vista de perfil, com período de 853 anos e último periastro em 1888.

A separação angular é de 3 segundos de arco, em ângulo de posição 275o (oeste da estrela principal). A pequena separação e a grande diferença de brilho tornam este sistema binário particularmente difícil de resolver, uma condição muito dependente, ademais, da estabilidade atmosférica (seeing).

O sistema estelar binário Antares (Alpha Scorpii) é constituído por uma estrela supergigante vermelha (Antares A) e por uma diminuta anã branca (Antares B), distanciada de 3 segundos de arco da principal. Ilustração adaptada reproduzida do Atlas de Astronomia, de Ignacio Puig, segunda edição, 1966, Livro Ibero-Americano, Rio de Janeiro.

Embora o tipo espectral desta companheira seja B4, indicativo de uma coloração branco-azulada, os observadores descrevem uma cor verde, com muitas variações subjetivas. E. J. Hartung, no livro Astronomical Objects for Southern Telescopes (Cambridge University Press, 1984), menciona “verde pálido”, enquanto William T. Olcott (1873-1936) em Star Lore: Myths, Legends, and Facts (Dover, 2014, reimpresso do original de 1911) cita “verde brilhante”. Em 1912, K. McKready a descreveu como “azul”. No livro Evenings with the Stars, publicado em 1924, Mary Proctor (1862-1957) fala de um “tom verdejante”, enquanto E. Crossley, J. Gledhill, e J. M. Wilson, autores do Handbook of Double Stars, editado em 1879, listam “azul”, “púrpura”, “muito azul”, e “verde”. Em seu clássico Star Names, their Lore and Meaning (Dover, 1963), Richard H. Allen descreve o par como “vermelho fogoso e verde esmeralda”. William R. Dawes (1799-1868), durante o reaparecimento em uma ocultação lunar em 1856, também descreveu a estrela como “verde”.

Para ver esta pequena jóia celestial, Antares precisa ser ocultada pela Lua na fase minguante (entre Cheia e Nova), para que o reaparecimento se verifique no limbo lunar escuro. Como situa-se a oeste da estrela principal, a companheira reaparece primeiro, permanecendo visível por cerca de 5 ou 6 segundos, antes de ser ofuscada pelo reaparecimento da supergigante vermelha.

Há 32 anos…

No verão de 1988, na madrugada de 12 de fevereiro, na minha residência em Imbé, no litoral norte do Rio Grande do Sul, preparei-me para cronometrar a ocultação total de Antares pela Lua minguante, 36% iluminada. Instalei meu veterano refrator de 60 mm de diâmetro junto à janela da sala e abri a veneziana. A altura da Lua, entre 32o e 43.5o, permitiria observar todo o evento sem sair para a rua!

Examinando a cópia da ficha remetida naquele ano para o International Lunar Occultation Centre (ILOC), em Tokyo, verifico que observei o desaparecimento de Antares junto ao limbo brilhante às 05h56min07.4s (TU). A estrela reapareceria quase uma hora depois, no limbo escuro. Com efeito, às 06h51min50.6s, pude ver uma estrelinha de sexta magnitude, que mais parecia um pingo de jade, surgir de repente de trás do limbo lunar: era Antares B! Apenas 5.2 segundos mais tarde, às 06h51min55.8s, Antares A emergiu, um farol vermelho ofuscante, que imediatamente me impediu de continuar admirando aquela pequena preciosidade. Como o legendário “relâmpago verde” (greenflash), na borda solar ao nascer ou no ocaso do Astro Rei, a tímida esmeralda havia feito outra de suas fugazes aparições, ao lado  de Cintia, e eu estava ali, para assistir, em meio à madrugada tranquila e silenciosa, sentado na primeira fila!


*Luiz Augusto L. da Silva é astrônomo, e observa estrelas, cometas, e outros astros fugazes desde 1973.
(www.luizaugustoldasilva.com)

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