Fenômenos Incomuns - Núcleo AIFI

EXTRATERRESTRES E ESPIRITUALIDADE: DEMOLINDO CRENÇAS ABSURDAS

Luiz Augusto L. da Silva*

         Conheço um ufólogo que afirma que nosso planeta é frequentado por nada menos de 82 tipologias diferentes de seres extraterrestres!

         No site https://www.nsctotal.com.br encontra-se um artigo assinado por Andressa S. Alves aludindo a um cidadão de nome Cristovão Brilho, escritor que se autointitula paranormal, onde são fornecidos maiores detalhes acerca de algumas raças de ET’s “bonzinhos” que supostamente andariam por aqui, preocupados em ajudar aos incautos “sapiens“… Seriam “seres estelares”, ou seja, “seres que vivem em sistemas distantes da Via Lactea, fora da nossa dimensão (?!), seja distante da Terra ou em mundos paralelos.” O objetivo comum de todos eles seria “manter o equilíbrio e a perfeição elétrica (?!) do Universo“…

         Afirmações cientificamente descabidas deste tipo demonstram a existência de uma espécie de sincretismo irracional entre a ufologia e questões de natureza puramente espiritual. Tudo isso carece do menor sentido, é lógico. Se não, vejamos.

         No site referido acima, são mencionados ao menos seis variedades de supostos seres extraterrestres que assistiriam a humanidade: os andromedanos, os arcturianos, os seres de Órion (orianos), os pleiadianos, os sirianos, e os seres de Óptia.

Andromedanos

         Os andromedanos vêm… de Andrômeda, ora! Da galáxia de Andrômeda, conhecida como NGC 224 ou M-31. Sim, isso mesmo. Aquela galáxia, basicamente similar à nossa no que diz respeito à morfologia, embora seja um pouco maior, e que engloba mais de um trilhão de estrelas. Não se sabe de qual delas eles procedem. Não são apenas seres extraterrestres, são seres extragalácticos! Preocupados em salvar a humanidade, não se incomodam de viajar 2.54 milhões de anos-luz até o nosso malfadado planetinha…

         Andromedanos defendem a justiça, a liberdade, e a autonomia. Detestam manipulações. Auxiliam nos movimentos de mudança social.

         Se supomos a sua existência, então estaríamos provavelmente diante de criaturas pertencentes a uma civilização do tipo III ou IV, dentro do esquema classificatório estendido de Kardashev (1964a, Astronomicheskii Zhurnal, 41, 282; 1964b, Soviet Astronomy, 8, 217; posteriormente expandida, ver, e.g., Keeskes, 1998, Journal of the British Interplanetary Society, 51, 175; Galántai, 2004, Periodica Polytechnica Social and Management Sciences, 12, 83; Keeskes, 2009, Journal of the British Interplanetary Society, 62, 316; Vidal, 2014, The Beginning and the End: The Meaning of Life in a Cosmological Perspective, New York, Springer; e Ćircović, 2015, Serbian Astronomical Journal, 191, 1), seguramente uma civilização adulta ou, quiçá, até mesmo sênior (da Silva, 2022, International Journal of Astrobiology, 21, 9).

         Se já é difícil considerar a ideia de viagens interestelares, o que dizer de viagens extragalácticas? Como galáxia espiral típica, Andrômeda pode abrigar uma ou até mesmo várias sociedades inteligentes autoconscientes tecnológicas (SCITS’s, na sigla em inglês), mas o contato direto entre elas e a nossa SCITS aqui na Terra seria altíssimamente improvável.

         Existe também a barreira temporal. Nós vemos Andrômeda como ela era há 2.54 Mega-anos, que é o tempo que a luz leva, viajando no vácuo a 300.000 km/s para chegar até nós vinda de lá. O mesmo vale para os supostos Andromedanos, ou seja, eles estariam observando nossa Galáxia hoje como ela era 2.54 milhões de anos atrás. Se eles possuíssem telescópios suficientemente potentes para perscrutar detalhes da superfície do globo terrestre em altíssima resolução (bota resolução nisso…), tudo o que eles enxergariam hoje seria a savana africana povoada por levas de Australopitecos! Ou seja, a presença dos Andromedanos por aqui, a menos que desejassem fazer contatos imediatos com hominídeos bipedalistas balbuciantes, só seria esperada daqui há no mínimo 2.54 Mega-anos no futuro, pois só então os seus telescópios superpoderosos revelariam a existência da nossa civilização tecnológica com suas grandes cidades como se parecem no presente. A conclusão é linear: Andromedanos por aqui hoje não passa do mais puro delírio…

Arcturianos

         Os Arcturianos vêm de Arcturus, a quarta estrela mais brilhante do nosso céu, e a mais brilhante situada ao norte da linha do equador celeste. Trata-se de uma estrela gigante alaranjada, de tipo espectral K1.5 III, com magnitude visual aparente -0.04, 170 vezes mais luminosa que o Sol, distanciada 36.7 anos-luz do sistema solar. Bem, pelo menos é uma estrela pertencente a nossa Galáxia, e relativamente próxima do Sol.

         Arcturus possui massa 10-20% maior que a massa do Sol, uma temperatura superficial de 4290 K, e idade estimada em 7.1 bilhões de anos (nosso Sol tem 4.6 bilhões de anos). No diagrama de Hertzprung-Russell (H-R), Arcturus fica localizada no ramo das gigantes. Sendo mais velha que o Sol, já esgotou o hidrogênio disponível para reações termonucleares de produção de energia em seu núcleo, mas ainda não começou a queima do hélio. Nos dias de hoje, para produzir energia e continuar brilhando, Arcturus se vira baseada na queima do hidrogênio numa capa ao redor do seu núcleo inerte de hélio, via ciclo CNO.

         Trocando em miúdos, Arcturus já não é mais uma estrela da sequência principal, está iniciando sua escalada pelo ramo das gigantes no diagrama H-R, e vai terminar seus dias como uma anã branca, ao mesmo tempo que produz e dissipa uma nebulosa planetária. É, em suma, um astro mais evoluído que o Sol. Até agora não são conhecidos exoplanetas orbitando ao seu redor.

         Para os ufólogos delirantes, os Arcturianos são seres de elevada sabedoria e intelecto evoluído, que valorizam a ciência e o conhecimento acadêmico (quem dera fôssemos como eles…). São também muito empáticos e (paradoxalmente?!) ao mesmo tempo que se interessam pela ciência, “sentem afinidade” por metafísica e paranormalidade…

         Ainda dizem que o médium e filantropo brasileiro conhecido como Chico Xavier (1910 – 2002) teria profetizado que o primeiro contato da humanidade com uma raça de seres extraterrestres seria com os Arcturianos, entre 2019 e 2057, acrescentando que “esses seres trariam grandes avanços médicos, tecnológicos, e científicos nunca antes imaginados“.

         Se houvesse um exoplaneta orbitando na zona habitável de Arcturus, até poderia haver surgido nele uma civilização tecnológica. Ao menos tempo para isso teria havido. Porém, com a chegada da fase de gigante, e se os Arcturianos houvessem sobrevivido para testemunhá-la, eles já teriam sido obrigados a abandonar seu planeta natal. Neste caso, com certeza, já seriam uma civilização adulta, ou talvez até sênior, com idade máxima variando entre 2.1 e 6.6 Giga-anos. Mas, até o presente momento,  não existe nenhuma evidência científica concreta e objetiva em prol da existência de seres estelares arcturianos, quanto mais que eles possam estar aqui na Terra hoje.

Sirianos

         Sirianos viriam de Sirius, a estrela mais brilhante do céu, com magnitude visual -1.46, tipo espectral A1 V, localizada a apenas 8.57 anos-luz de distância. Sirius é um sistema binário, onde a componente principal tem 2.06 massas solares, raio 70% maior que o solar, e luminosidade quase 25 vezes superior à do Sol. Com uma temperatura à superfície de 9845 K, a sua idade é estimada em cerca de 250 milhões de anos. Ou seja, Sirius mal e mal existia, quando a Terra vivenciava a sua maior extinção biológica em massa, acontecida na transição Permiano-Triássico.

         A estrela companheira de Sirius, conhecida como Sirius-B, é uma anã branca, o que implica que, um dia, foi a estrela mais massiva do par, evoluiu para gigante vermelha, produzindo depois uma nebulosa planetária, que já se dissipou. Para realizar todas essas façanhas dentro de um quarto de giga-ano, a sua massa inicial deveria ser muito maior que a massa de Sirius-A, mas ainda abaixo de 8 massas solares, que é o limite inferior de massa inicial para aquelas estrelas que terminam seus dias explodindo como supernovas. Ou seja, Sirius-B não teria sido uma boa vizinha para qualquer planeta que orbitasse qualquer uma das duas estrelas componentes deste sistema.

         Além disso (como se já não bastasse…), o que torna a existência dos Sirianos praticamente impossível é justamente a pouca idade de Sirius-A pois, pelo que sabemos, a escala de tempo da janela necessária para a evolução darwiniana da inteligência autoconsciente avançada varia entre 0.5 Giga-ano e 5.0 Giga-anos (da Silva, 2022, ref. cit.).

         Porém, os ufólogos ignoram tudo isso, e afirmam que os Sirianos não só existem, como são seres muito intuitivos, que se sentem atraídos pela arte e pelo misticismo. Ou seja, teriam evoluído extraordinariamente rápido e, apesar de não se preocuparem muito com a ciência e a tecnologia, não haveriam descuidado de desenvolver a habilidade do voo interestelar, encontrando tempo para visitar a nós, seus vizinhos terráqueos…

         Citam ademais, ao suposto guia espiritual de Chico Xavier, um espírito denominado Emmanuel, o qual haveria afirmado que Sirius é, na realidade, um sistema estelar triplo. Imaginem só: se órbitas exoplanetárias estáveis biologicamente benignas já são difíceis em sistemas binários, o que não dizer de um sistema tríplice!

         Benest e Duvent (1995, Astronomy and Astrophysics, 299, 621) sugeriram a existência de uma terceira estrela no sistema de Sirius, mas seu resultado foi contestado por Bond et al., (2017, Astrophysical Journal, 840, 70), que excluíram a existência de companheiras acima de 15-25 massas de Júpiter.

         Outra vez a conclusão é a mesma: Sirianos muito provavelmente não passam de fantasia.

Orianos

         Os Orianos possuem muita força de vontade, sede por conhecimento, e por aprendizagem constante (deveríamos imitá-los…). São disciplinados, e de perfil analítico e competitivo. Eles vêm à Terra para ajudar a elevar as ambições humanas, visando o nosso aprimoramento.

         Dizem que eles são procedentes do “sistema estelar de Órion, que fica na constelação de Gêmeos“, frase que carece totalmente de sentido! Qualquer astrônomo amador sabe que Órion e Gêmeos são duas constelações diferentes, embora aparentemente contíguas na esfera celeste.

         Na direção geral da constelação de Órion observamos uma profusão de nuvens moleculares escuras, e de regiões de formação estelar (regiões H-II), em distâncias da ordem de 1500 anos-luz ou mais. Este setor da Galáxia experimenta formação estelar ativa, abriga numerosas aglomerações de estrelas jovens e massivas, as quais emitem fluxos de radiação ultravioleta esterilizantes intensos, além de conviver com uma alta frequência de explosões de supernovas. Estas características não favorecem a longo prazo um ambiente propício à evolução de seres vivos de constituição complexa, eventualmente inteligentes, autoconscientes, e construtores de civilizações tecnológicas. Tudo isso, por si só, já torna a existência dos Orianos altamente questionável.

Pleiadianos

         Existem exoplanetas conhecidos orbitando alguma ou algumas das cerca de 1400 estrelas pertencentes ao aglomerado estelar aberto conhecido como Plêiades, situado na constelação de Taurus (Touro), a cerca de 400 anos-luz de distância do Sol?

         A resposta pode ser sim. Conforme uma pesquisa divulgada em 2007 (Rhee et al., Astrophysical Journal, 675, 777), a estrela branco-amarelada de tipo espectral F6 conhecida como HD 23514, integrante do aglomerado das Plêiades, pode estar formando um sistema onde poderiam existir exoplanetas rochosos do tipo terrestre.

         Porém, existem dois problemas graves, do ponto de vista astrobiológico. O primeiro é a extrema juventude do cúmulo estelar das Plêiades: as suas estrelas têm entre 0.1 e 0.4 Giga-anos de idade. É um tempo muito curto para permitir a formação de seres evoluídos com inteligências autoconscientes avançadas.

         Outro obstáculo, dependendo da estrela considerada, seria a radiação ultravioleta. Exoplanetas eventuais orbitando as estrelas mais quentes do aglomerado com certeza teriam suas superfícies permanentemente banhadas por doses letais de luz ultravioleta, abortando qualquer evolução biótica pelos padrões conhecidos.

         Então, a existência dos Pleiadianos, muito populares entre os ufólogos, que os consideram entidades conectadas “ao chackra do coração, que espalham amor incondicional, que são atraídos pela espiritualidade e assuntos relacionados à cura da alma, colaborando para promover a união entre os humanos“, é mera bobagem.

Os Seres de “Óptia”

         Mas o absurdo dos absurdos mesmo são os tais “seres de Óptia”. Óptia seria um sistema formado por uma estrela e mais cinco planetas, distanciado nada menos que 195 Giga-anos-luz! Estaria, portanto, situado muito além do raio do Universo observável (cerca de 13.7 Giga-anos-luz), e inclusive “fora” do nosso Universo, cujo raio total é estimado pelos cosmólogos como sendo da ordem de 90 Giga-anos-luz.

         Se existisse uma SCITS na distância alegada, ela certamente não pertenceria ao nosso Universo, constituindo, em tese, um exemplo de civilização do tipo V, dentro da classificação estendida de Kardashev.

         Não bastassem estas incongruências crassas, existiria de novo a barreira temporal: mesmo admitindo que o tempo fosse o mesmo em ambos os Universos (o nosso e o de Óptia), e supondo que os “Optianos” dispusessem de instrumentos sofisticadíssimos que lhes permitissem enxergar a Terra desde tão longe, eles simplesmente não teriam como saber da nossa existência, pois o limite de qualquer telescópio seria aquele do raio do Universo  observável: 13.7 Giga-anos-luz, que é a distância que a luz conseguiu percorrer desde que o nosso cosmos existe, isto é, desde a ocorrência do Big Bang. Portanto, zero por cento de chance de que os “seres de Óptia” realmente existam…

E os Greys?

         Até agora falamos apenas de ET’s “bonzinhos”… Os famosos Greys, protagonistas dos controvertidos episódios das abduções, não se incluem, pelo seu comportamento, naquela categoria.

         Segundo os ufólogos, os Greys parecem ser criaturas frias e indiferentes, que tratam os humanos como animais cobaias, participantes de estudos e experiências com finalidades ignoradas, mas provavelmente de natureza genética.

         E aqui temos outro aspecto absurdo: há os que opinam que os Greys estariam interessados na criação de uma raça híbrida humano-ET. Ora, não se sabe nem se eventuais seres vivos extraterrestres possuiriam DNA. E mesmo que possuíssem, com toda a certeza as diferenças seriam tão grandes que inviabilizariam o projeto por completo. Seria mais difícil do que  tentar cruzar um pé de carvalho com uma tartaruga.

         Outro ponto a comentar é a aparência humanoide dos ET’s. Os biólogos evolutivos sabem que a natureza não repete formas. Portanto, admitir que alienígenas que nos visitam aqui na Terra têm aspecto semelhante ao nosso indica, em primeiro lugar, que esses supostos aliens simplesmente não existem, não passando de imaginação desvairada! Isso vale para os Greys dos abduzidos, e para os nórdicos de “contatados” como George Adamski (1891 – 1965) entre outros.

         As pessoas não se dão conta que admitir a realidade da existência dos Greys implica em abdicar da sua origem extraterrestre, ligando-os inexoravelmente ao nosso planeta, talvez viajantes do tempo, provenientes do futuro. Por mais inverossímil que possa parecer, essa ideia é bem menos tresloucada que considerá-los como provenientes do espaço sideral.

         Curiosamente existe um vídeo, disponível no YouTube, sabidamente forjado, que mostra um Grey capturado sendo interrogado por um militar norte-americano. No filme, que haveria sido gravado em 1962, o entrevistado afirma ter vindo do futuro da Terra, mas que a sua espécie não guarda nenhuma semelhança genética com a espécie humana tal qual a conhecemos. Faz ainda algumas outras afirmações, como por exemplo, a de que o Universo não foi criado por ninguém, e que a vida não possui nenhum sentido, simplesmente existe.

Little Green Men

         A famosa expressão “pequenos homens verdes” usada corriqueiramente para fazer referência muitas vezes jocosas a extraterrestres, esboça uma tipologia só muito raramente relatada pelas supostas testemunhas de contatos imediatos de terceiro e quarto graus.

Comentários Finais

         Mesmo que se diga que esses “seres estelares” não sejam de carne e osso, e sim “espirituais”, ou seja, entidades sem corpos físicos, constituídas por campos de energia pura, eles ainda pertenceriam a sociedades sêniores muito avançadas, e presumivelmente muito antigas.

         Como refere Arthur C. Clarke (1917 – 2008), no prólogo do seu estupendo 3001, A Odisseia Final (1997, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro), mesmo seres “livres da tirania da matéria” haveriam tido “suas origens no limo tépido de um mar desaparecido.” Quer dizer, passar de um estágio mortal de carne e osso para uma condição de inteligência constituída exclusivamente por energia pura amortal requeriria, via evolução darwiniana por mutações e seleção natural, um longo percurso temporal, o que já demonstra a inviabilidade da existência dos supostos seres alienígenas discutidos aqui, pois as escalas de tempo associadas às estrelas que discutimos são todas curtas demais.

         Por último, cumpre observar que a crença em pleiadianos, sirianos, orianos, etc, supõe a validade de um cenário pluralista forte para a densidade de SCITS’s numa galáxia, pois envolve distâncias curtas, da ordem de 10 a 103 anos-luz, o que parece, pelo menos no caso da Via Lactea, não ser nem de longe um cenário provável. Ela também implica no fato de o aparecimento da inteligência constituir uma clara vantagem evolutiva, o que também não está, de forma alguma, firmemente estabelecido.

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* Luiz Augusto L. da Silva preside a Associação para Investigação de Fenômenos Incomuns – AIFI – uma organização civil de ceticismo científico destinada ao estudo e esclarecimento de fenômenos estranhos constituída em 2006.

20240127

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