Astronomia Hoje

MULTIVERSO INFINITO

Luiz Augusto L. da Silva*

            A cosmologia moderna trabalha com a possibilidade do nosso Universo não ser o “todo existente”, isto é, ele não seria único, mas apenas um entre muitos outros universos, possivelmente uma quantidade infinita deles. A este conjunto, dá-se o nome de multiverso.

            O multiverso seria infinito, tanto no espaço quanto no tempo. Não teria limites, nem origem, nem fim. Seu cotidiano eterno constaria de infinitos Big Bangs derivados de flutuações quânticas aleatórias, acontecendo aqui e ali a todo instante, dando nascimento a infinitos universos regidos pelas mais variadas leis físicas, como bolhas de sabão sopradas ao vento. Neste sentido, a física deixaria de ser universal, passando a ter limite de validade restrito ao nosso cosmos. Diferentes universos dentro do multiverso seriam como células dentro de um organismo, cada uma autodelimitada, sem haver sobreposição de uma unidade com outra.

            No multiverso infinito, infinitos universos nasceriam dotados de leis físicas que inviabilizariam o aparecimento de estrelas, planetas, e portanto também de seres vivos. Mas estes cosmos estéreis seriam compensados por infinitos universos que, por acaso, possuiriam os arranjos certos de constantes e leis físicas fundamentais, a sintonia fina necessária para o aparecimento, a manutenção, e a evolução darwiniana de formas de vida. Nosso cosmos é apenas um exemplo disso.

Igualdade Infinita

            Se é assim, a conclusão que se apresenta é líquida e certa: neste ensemble de infinitos universos compatíveis com a vida, existirão inevitavelmente infinitos cosmos exatamente iguais ao nosso, com superaglomerados de galáxias, um Grande Atrator, um Grupo Local, uma Galáxia de Andrômeda e uma Via Lactea, compartilhando tempos infinitamente diferentes.

            Existem infinitos “eus” lá fora, inimaginavelmente distanciados uns dos outros, e de mim mesmo. Em infinitos destes universos, eu estou escrevendo esta crônica, mas em infinitos outros nunca a escreverei. Em infinitos universos, eu posso estar vivo, crescendo no útero materno, ou com apenas 18 anos. Em infinitos outros, eu já morri há zilhões de anos, cinquenta anos, ou recém há um segundo. Réplicas idênticas de meus pais, já falecidos, ainda vivem – em carne e osso – em infinitos mundos muito distantes. Em infinitos deles eles estão nascendo agora. Noutros, conhecendo-se e se casando, e noutros igualmente infinitos, estão morrendo, ou já morreram há séculos, ou eons.

            Em infinitos universos, Hitler venceu a Segunda Guerra Mundial, e as bombas de Hiroshima e Nagasaki nunca foram detonadas. Em outros infinitos mundos a civilização humana colapsou em hecatombes nucleares globais, ou terá sido cozida pela explosão de uma supernova muito próxima. Mas em infinitos outros ela é bem sucedida, conquistando a imortalidade e colonizando sua galáxia doméstica.

Concepção artística do multiverso infinito.
Crédito da imagem: Getty Images/nbcnews.com.

            Existirão infinitos mundos em que John Lennon não foi assassinado e morrerá de velho, outros em que The Beatles, Mozart, Bach, ou Tchaikovsky nunca existiram, e Lennon terá trabalhado a vida inteira como um obscuro pedreiro, quem sabe um médico famoso, mas não como músico. E também infinitos mundos semelhantes, muito parecidos mas não exatamente iguais ao nosso, onde as diferenças remontam apenas a detalhes insignificantes como, por exemplo, um mundo em que, na data x e na hora y eu esteja frequentando o restaurante certo mas bebendo o refrigerante errado. Infinitos mundos em que Jesus Cristo não existiu, ou que existe e não é crucificado, outros tantos em que morre na cruz e tudo – ou nada – acontece como conhecemos.

            Infinitos mundos com girassóis azuis, ou negros, e mundos sem girassóis. Mundos em que o asteróide do Cretáceo-Terciário nunca caiu, e nos quais os dinossauros continuam a reinar. Mundos em que a inteligência autoconsciente desenvolveu-se nos insetos, dando origem a sociedades tecnológicas avançadas eussociais estruturadas em castas operacionais de funcionamento perfeitamente harmônico, ou não. Infinitos mundos iguais ao nosso onde o coronavírus nunca apareceu, e infinitos outros em que toda a humanidade acaba dizimada por ele.

            Haverá infinitos mundos com bolsas de valores, euros, dólares, e idolatria do ouro, e infinitos mundos em que jamais se ouviu falar de uma aberração chamada dinheiro. Infinitos mundos em que a preservação do meio ambiente terá sido bem sucedida, e infinitos outros em que não será.

            Pensem nisso. Já haviam pensado? Diante disso tudo, como ficam os mitos infantis de criação, apregoados por diferentes religiões? Que sentido possuem? Qual é a necessidade de existir um criador – ou criadores? O timer me avisa que minha xícara de café já está quente…

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Luiz Augusto L. da Silva é astrônomo e, provavelmente apenas um dentre infinitos exatamente iguais a ele que estudam astronomia desde 1973.

(www.luizaugustoldasilva.com)

20210505

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