Fenômenos Incomuns - Núcleo AIFI

A “NOITE DOS OVNIs”: CONFUSÕES E “MISTÉRIOS”

Luiz Augusto L. da Silva*

I. INTRODUÇÃO

            Está disponível no site http://g1.globo.com a matéria Noite dos OVNIs: Caso Completa 30 anos sem ter mistério desvendado, assinada pela jornalista Poliana Casemiro, do G1 Vale do Paraíba e Região, datada originalmente de 2016, Maio 19, e atualizada em 2019, Outubro 23.           

            Infelizmente trata-se de material confuso, recheado de informações deturpadas. O texto aparece eivado de absurdos e distorções, constituindo um excelente exemplo do que costumamos denominar de “efeito lente midiático”, onde uma abordagem imprópria da casuística ufológica por parte dos veículos de comunicação contribui para a disseminação e a consolidação de noções errôneas entre a população em geral.

            A presente análise daquele material foi preparada com o objetivo de esclarecer a questão, no tocante a detalhes relevantes, bem como para chamar a atenção para erros grosseiros, que só contribuem para a desinformação geral, alimentando interpretações equivocadas e teses conspiracionistas que não se sustentam.

II. INCIDENTE

            O episódio conhecido como a “noite dos OVNI’s” constitui capítulo interessante dentro da casuística ufológica brasileira, porque envolveu diretamente observações por pessoal de aeronáutica, supostamente com qualificação técnica, e ações diretas por parte da Força Aérea Brasileira (FAB).

            Basicamente consistiu no avistamento de luzes estranhas no céu noturno em Maio 19, 1986, principalmente sobre o estado de São Paulo, com o acionamento de aeronaves de combate para tentar interceptá-las, sem sucesso. Inclui observações ópticas a partir do solo e do ar, contatos positivos de radar, e avistamentos radar-ópticos. Uma abordagem sintético-cronológica precisa e objetiva dos fatos daquela noite pode ser encontrada em Visoni (2019).

III. COMENTÁRIOS SOBRE A REPORTAGEM

            O texto do G1 inicia afirmando que “a ‘Noite dos OVNIs’ se mantém como um dos maiores mistérios ufológicos do Brasil.” Afirma que na noite de 19 de maio de 1986 foram registrados 21 pontos luminosos no céu da cidade de São José dos Campos (SP), e que cinco caças da FAB foram mobilizados “para ‘combater’ os alvos, que segundo os relatos documentados oficialmente pelo governo, mudavam de localização em alta velocidade.”

            Os pontos luminosos foram vistos primeiro pelo controlador de voo Sérgio Mota da Silva, e detectados pelo radar da torre de comando do aeroporto de São José dos Campos. Ao ver o primeiro ponto luminoso, ele solicitou a Alcir Pereira da Silva, piloto de um avião Xingu que passava próximo à suposta posição das luzes, procedente de Brasília para São José dos Campos, na companhia do então presidente da EMBRAER, Ozires Silva, para que descrevesse o que via. Alcir informou que tentaria se aproximar do “alvo”, reportando posteriormente que ele havia mudado “de localização em alta velocidade.”  Nas quatro horas seguintes, a FAB autorizou a decolagem de 5 aeronaves de caça para “perseguir” os supostos objetos.

            O primeiro absurdo aparece quando a autora escreve que “O único registro fotográfico do evento, de um fotojornalista de São José dos Campos, foi confiscado pela NASA – esse material nunca foi recuperado.” E prossegue, com o depoimento do fotógrafo, Adenir Brito: “À época um cientista que se dizia da NASA foi ao jornal recolher o negativo desse material para análise. Era o único registro que tínhamos do que aconteceu naquela noite. Eles nunca devolveram esse material ou apresentaram um parecer sobre o que a análise das imagens.” (sic – citação literal do texto).

Comentário 1: A NASA não confisca negativos de filmes de ninguém… O mais provável é que algum espertalhão, ou mesmo um investigador de ufologia tenha se passado por “cientista da NASA” e levado embora os negativos.

            Adenir nota, entretanto, que ainda possui as fotos da revelação do filme “confiscado”, que foram publicadas em preto e branco pela imprensa (jornal Vale Paraibano) na manhã do dia seguinte. Reproduzimos na Fig. 1 aquelas imagens.

Fig. 1 – Registros fotográficos ópticos obtidos pelo jornalista Adenir Brito na noite de Maio 19, 1986, supostamente mostrando algum(s) ponto(s) luminoso(s) avistado(s) naquela data. Fonte: Adenir Brito, arquivo pessoal.

Comentário 2: As duas imagens mostram absolutamente nada… Vê-se apenas duas trilhas luminosas de aspecto sinuoso, fora de foco e/ou ampliadas, que em nada ajudam no esclarecimento da ocorrência. Pior, não temos sequer a certeza de que fossem realmente imagens de algum(s) dos pontos luminosos avistados pelos aeronautas civis e militares naquela noite. Veja-se, a título de ilustração e comparação, os “objetos” fotografados pelo autor desta análise em Dezembro, 21, 2020, desde Tranquility Base, sua residência rural situada no interior do município de Novo Hamburgo, sul do Brasil.

            O que vemos na Fig. 2? Apenas as imagens tremidas dos planetas Júpiter e Saturno, na espetacular “conjunção magna” acontecida em Dezembro 21, 2020, visível ao anoitecer! A câmera com zoom foi aleatoriamente movimentada durante a curta exposição de um segundo, gerando a falsa impressão de movimento errático. Comparem a Fig. 2 com a Fig. 1.

Fig. 2 – “OVNI’s” em rápida evolução imageados pelo autor em Dezembro, 21, 2020, às 23h12min TU com uma câmera digital Nikon P 900 em Novo Hamburgo, Brasil. Imagem © 2020 by L. A. L. da Silva.

                        A reportagem prossegue dizendo que a FAB utilizou 5 aeronaves ao longo de 4 horas para tentar alcançar as luzes, e que as gravações de áudio entre os pilotos e controladores de voo foram classificadas como “Confidenciais” pelo governo durante quase 30 anos, tendo a investigação resultado inconclusiva.

            Incluem-se os relatos de três dos personagens centrais envolvidos no incidente. O controlador de voo Sérgio Mota, de São José dos Campos, contou que, naquela ocasião, recebeu ordens superiores para não comentar o caso, nem conceder entrevistas. Segundo ele, a explicação dada pelo comando era que os pontos luminosos avistados constituíam parte de uma “guerra eletrônica”, eventos em que possíveis forças inimigas “usam aparelhos para confundir o radar, colocando pontos de luz. Eles se confundem com aviões e bagunçam o controle do espaço aéreo.” Sérgio Mota observa que, se fosse assim, os tais pontos luminosos não teriam sido observáveis pelos olhos humanos.

Comentário 3: De acordo com uma rápida consulta na Wikipedia, em estratégia militar “uma guerra eletrônica é um conjunto de ações que envolve o uso do espectro eletromagnético, ou então de energia dirigida, com o propósito de controle do espectro, de ataque a um inimigo, ou de defesa contra ataques inimigos. O objetivo é sempre destruir, neutralizar, ou enfraquecer a capacidade de combate do inimigo.”

            Ozires Silva, na época presidente da EMBRAER, declarou que havia sido piloto por muitos anos, e “nunca tinha visto algo como aquilo. Era ágil demais, impossível que houvesse um humano dentro dela. Eu não sei se era disco, mas era um brilho muito forte.” Declarou também que ainda “guarda incertezas sobre o que aconteceu.” Acrescenta – com muita sensatez : “Claro que pode haver vida fora da Terra. Mas (…) comunicar com eles e eles se comunicarem conosco me parece muito pouco viável. As distâncias no espaço sideral são de tal ordem que é muito difícil haver comunicação entre planetas, mesmo no sistema solar.”

Comentário 4: Em seu conjunto, as declarações de Ozires Silva a respeito da verdadeira natureza do incidente parecem indicar seu ceticismo quanto à “hipótese extraterrestre” ser a explicação correta para o que aconteceu. Parece claro que o que ele observou teria sido uma luz intensa, dotada de mobilidade rápida.

Ufologia

            O texto inclui ainda a opinião de Renato Mota, consultor da revista UFO. Ele assevera, de boca cheia, que “o aparecimento foi o maior contato de vida inteligente fora da Terra com humanos.” E tenta dar uma “aula” de astrobiologia: “São 130 bilhões de estrelas. Achar que só a Terra é habitada é egoísmo. Hoje a questão não é mais se existe vida fora da Terra, já sabemos (?!). A questão agora é quando eles vão se apresentar.” Mais: “Não podia ser estrela porque estrelas não podem ser captadas por radares; guerras de luz não podem ser vistas pelos olhos humanos (?!). Não há nada que responda isso a não ser que foi um contato. Para mim, esse é um mistério resolvido, eram naves de civilizações avançadas.”

Comentário 5: Este tipo de comportamento e de opinião é típico de como não se deve realizar uma investigação séria… Vejam a parte final da nossa Oficina de Astronomia® número 455, sobre o caso Kenneth Arnold, disponível no canal da Rede Omega Centauri no Youtube, onde fazemos uma crítica à ufologia neste sentido. As hipóteses da reentrada de um satélite artificial, ou da observação de um bólido em fragmentação poderiam explicar as luzes e os contatos de radar. Mas isto sequer é mencionado, nem de passagem, porque, claro, “eram naves de civilizações avançadas, um mistério resolvido”…

Astrofísico

            Oli Luiz Vors (na realidade, Dors) Júnior, integrante do corpo docente da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), é um astrofísico brasileiro que trabalha nas áreas de meio interestelar e astronomia extragaláctica, estudando regiões H-II, a evolução química das galáxias, e galáxias com núcleos ativos. Ele foi ouvido pela reportagem do G1, e declarou – corretamente – que ainda não existe confirmação científica da presença de vida fora da Terra, ou de que “a explicação para a noite de 19 de maio foi a passagem de um cometa”.

Comentário 6: Passagem de um cometa?! Jamais a “passagem de um cometa” explicaria a noite dos OVNI’s! Pelo simples fato de que se trata de fenômeno astronômico que, normalmente, evolui de forma lenta ao longo de dias, semanas, ou mesmo meses, no âmbito do espaço interplanetário, nunca na atmosfera terrestre, apresentando deslocamento gradual contra o fundo do céu estrelado, acompanhado por variações lentas de magnitude (brilho). Parece-nos que, aqui, se está confundindo “cometa” com “meteoro”…

            O que vem na sequência do texto da matéria, reproduzido entre aspas, como se tivessem sido as palavras literais do professor Oli, não pode, com certeza absoluta, ter sido dito por ele. Vejam só: “Quando entra na atmosfera, [o cometa] esquenta e emite luz. Isso explica os pontos brihantes e a detecção pelo radar, já que tem massa. O número pode ser explicado pelos meteoros que acabam acompanhando o cometa.”

Comentário 7: Cometas adentrando a atmosfera! Meteoros que acompanham o cometa… A última vez bem documentada em que um provável fragmento de núcleo cometário penetrou na atmosfera terrestre foi na manhã de 30 de Junho de 1908 na Sibéria, originando o evento conhecido como a explosão de Tunguska. Se um cometa tivesse mergulhado nos céus de São José dos Campos naquela noite de 1986, o estado inteiro de São Paulo teria sido devastado pelo equivalente à explosão simultânea de mais de uma centena de bombas atômicas como a que foi arremessada sobre a cidade japonesa de Hiroshima! Sem mais comentários…

IV. A EXPLICAÇÃO DA AERONÁUTICA

            Na época, diz a matéria, a FAB iniciou uma investigação para apurar os fatos. O resultado, reunido num dossiê confidencial, só foi liberado em 2014. Intitulado Possível Aparecimento de OVNI em São José dos Campos e Anápolis, menciona que os pilotos “viram pontos de luz no céu, que mudavam de cor e se movimentavam em alta velocidade”, concluindo que “os fenômenos eram sólidos e refletem de certa forma inteligências, pela capacidade de acompanhar e manter distância dos observadores.”

            A reportagem do G1 termina mencionando que, procurado novamente 30 anos depois do incidente, o Comando da Aeronáutica emitiu nota afirmando que “não dispõe de estrutura e de profissionais especializados para realizar investigações científicas ou emitir parecer a respeito desse tipo de fenômeno aéreo.” Ou seja, fica o dito pelo não dito, e tudo acaba inconclusivo…

V. O QUE TERIA ACONTECIDO

            O presente artigo não se propõe a construir uma análise aprofundada o bastante em ordem a permitir apontar possíveis explicações para os incidentes que integram o evento conhecido como a “noite dos OVNIs”. Abordamos o problema em nossa Oficina de Astronomia® número 345, em Outubro 18, 2013 (da Silva, 2013). Lá vimos que uma das explicações oferecidas foi a da penetração seguida de ablação atmosférica de pacotes de lixo ejetados da estação espacial soviética Salyut 7, naquela noite sobre o centro-oeste brasileiro, hipótese aventada pelo pesquisador britânico Geoffrey Perry.

            Recomendamos, aqui também, a consulta do excelente artigo de autoria de Rodrigo de Moura Visoni, integrante da equipe de pesquisadores da Rede Omega Centauri no Rio de Janeiro, publicado em 2019 na revista AERO Magazine (veja as referências).

            O que estamos querendo dizer é que podem existir explicações alternativas razoáveis para a noite dos OVNIs, que não passam pela “hipótese extraterrestre”. E este leque de possibilidades alternativas não está, de forma alguma, esgotado.

            Grande parte da temática envolvendo fenômenos aéreos não identificados encontra-se em situação semelhante ao caso brasileiro da noite dos OVNIs, ou seja, abordada impropriamente e oferecendo larga margem para interpretações totalmente desvinculadas da realidade objetiva dos fatos que realmente teriam se verificado.

Referências

– Casemiro, P., (2016). Noite dos OVNIs: Caso completa 30 anos sem ter mistério desvendado., http://g1.globo.com;

– da Silva, L. A. L., (2013). A Noite dos OVNIs: discos voadores ou …, Oficina de Astronomia® 345, Out. 18, 2013. O arquivo em formato PDF desta apresentação faz parte da publicação digital Oficinas de Astronomia® Coletânea Volume 3 – Fenômenos Aéreos Não Identificados, Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica, Ref. ωκ-SP-2021.01;

– Visoni, R. M., (2019). AERO Magazine, (301), 76-81.


* Luiz Augusto L. da Silva é astrônomo, e membro fundador da Associação para Investigação de Fenômenos Incomuns (AIFI), entidade atualmente coligada à Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica. Desde 1973 só observou duas coisas estranhas no céu,  perfeitamente identificadas, após investigações sérias… Ambos os casos serão contados em futuras colunas da série Túnel do Tempo, no Portal Ciência & Cosmos (www.redeomegacentauri.org/portal ciência&cosmos).

(www.luizaugustoldasilva.com)

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