Túnel do Tempo – Memórias de um Astrônomo

Há 48 Anos… KOHOUTEK: O FIASCO DO SÉCULO?

Luiz Augusto L. da Silva*

            1973 foi um ano bom e feliz. Eu cursava a sexta série do ensino fundamental. Naquele ano, meus pais me presentearam com um binóculo 4×50 de fabricação nacional, marca DF Vasconcelos, meu primeiro instrumento astronômico. Também ganhei o livro 2001, uma Odisseia no Espaço, best-seller de Arthur C. Clarke que havia inspirado o clássico de ficção científica exibido em 1968 nas telas de todo o mundo, até hoje um marco na história do cinema. De minha avó paterna recebi um exemplar de Eram os Deuses Astronautas? de Erich von Däniken, que na época fazia furor nos círculos intelectuais, e também havia dado origem a um documentário cinematográfico de longa metragem.

            Dois dias antes do Natal, a revista Manchete, em sua edição 1131, trazia, entre os destaques, matéria com confissões da atriz brasileira Sílvia Falkenburg (!), outra sobre a criação em massa de tartarugas ameaçadas de extinção na Amazônia, além da cobertura do flyby inédito de Júpiter, realizado pela sonda norte-americana Pioneer 10, que havia sido lançada no ano anterior, e também uma reportagem sobre Luboš Kohoutek (1935 –      ), astrônomo tcheco que trabalhava no Observatório de Hamburgo.

            A exploração de Júpiter já tinha sido noticiada pelo jornal Correio do Povo em sua edição de 5 de dezembro. As imagens do planeta nem se comparavam a aquelas que seriam transmitidas 6 anos mais tarde, no outono-inverno de 1979, pelas naves Voyager 1 e 2, mas eram inéditas, e a Grande Mancha Vermelha, mesmo em baixa resolução, enchia meus olhos e me deixava com a respiração suspensa.

Cometa

            No dia 7 de março de 1973, Luboš Kohoutek descobriu um cometa. Ele já havia encontrado outro em 1969, hoje catalogado como C/1969 O1 (naquela época designado provisoriamente como 1969-b, e depois como 1970 III). Já era o segundo cometa encontrado por ele em 1973 (o primeiro, catalogado agora como C/1973 D1 fora designado à época como 1973-e, depois como 1973 VII). As letras minúsculas indicavam a ordem de descoberta dentro do ano, enquanto o numeral romano, a ordem de passagem pelo periélio. Dois anos depois, em fevereiro de 1975, ele descobriria outro, de curto período (7anos). Este astro foi observado pela última vez no seu retorno de 1988, mas nunca ultrapassou a magnitude 13. Em 2021, deveria estar de volta, mas é considerado perdido. E teve outro cometa ainda, o 76P/West-Kohoutek-Ikemura, descoberto em 1976, além de uma extensa lista de asteróides, detectados ao longo de sua carreira de estudioso do sistema solar.

            Mas foi o cometa de março de 1973 que lhe deu fama mundial. Na data da descoberta ele brilhava com magnitude 16. Um cálculo preliminar revelou que se movia numa órbita ligeiramente hiperbólica (excentricidade e = 1.000008), e que alcançaria o periélio na data de 28 de dezembro de 1973, a uma distância de apenas 21 milhões de quilômetros do Sol (0.1424 UA). Posteriormente a sua órbita foi refinada, revelando-se uma elipse muito excêntrica, que lhe conferia um período da ordem de 150 mil anos.

            Logo no início, o cometa chamou a atenção dos astrônomos, pois se pensou que ele fosse um astro proveniente da nuvem de Oort, situada nos confins do sistema solar, realizando sua primeira incursão até as proximidades do Sol. Seria, portanto, um cometa “cheio de gás”, com potencial de se tornar excepcionalmente brilhante nas vizinhanças do periélio. Os primeiros prognósticos projetavam um brilho máximo de magnitude -10, quase igual ao brilho da Lua Cheia!

O cometa C/1973 E1 Kohoutek, ex 1973-f, 1973-XII. Crédito da imagem: Skynews.com.

            Da noite para o dia, o cometa ganhou as manchetes internacionais, recebendo antecipadamente o honorável título de “cometa do século”, propalado aos quatro cantos pela mídia sensacionalista. Nos EUA, uma seita mística intitulada “Crianças de Deus” chegou mesmo a anunciar que o cometa era o arauto do fim do mundo, marcado para janeiro de 1974.

            Não só o mundo não acabou, como a magnitude máxima do cometa durante a passagem pelo periélio só alcançou -3, um pouco menor que o brilho do planeta Vênus. Ele pôde ser observado pelos astronautas a bordo da estação espacial norte-americana Skylab, e também por cosmonautas soviéticos na cápsula Soyuz-13. A cauda atingiu 25 graus de comprimento, e ele também ostentou uma anti-cauda. No réveillon de 73 para 74, o Kohoutek despencou para a quarta magnitude, e no final de janeiro já estava com magnitude 7, invisível a olho-nu… Suspeita-se que seu núcleo possa ter se fragmentado quando da passagem periélica, o que poderia explicar o declínio rápido de brilho. A sua órbita também sofreu modificações, e o período acabou reduzido para 75 mil anos. Sendo assim, não voltará tão cedo.

Inspiração

            Embora tenha sido taxado de no show pela mídia, é preciso observar que o cometa não fracassou. Ele simplesmente se desempenhou de acordo com sua natureza física. Sob este aspecto, a palavra fiasco não faz nenhum sentido, só assumindo significado quando se compara o comportamento fotométrico do cometa com as expectativas otimistas iniciais dos astrônomos, e com o estardalhaço promovido pela mídia. Algo semelhante, mas então sem o endosso dos cientistas, aconteceria 13 anos mais tarde, em 1986, no retorno do famoso cometa Halley.

            Mas, para mim, o Kohoutek serviu para reacender em definitivo a chama da paixão pela astronomia. Eu não consegui ver o Kohoutek. Mas ele me motivou, principalmente após ter lido a extensa matéria publicada pelo jornalista Fernando G. Sampaio, um dos meus grandes mestres, na edição dominical do Correio  do dia 18 de novembro de 1973, intitulada Kohoutek: Um Grande Espetáculo Está Começando. Ali, Sampaio desenvolvia uma retrospectiva dos cometas mais famosos da história. Menos de um ano depois, eu estaria comprando meu primeiro telescópio, uma modesta luneta muito parecida com aquela de Galileu, que ainda guardo com carinho, e incluo na decoração do estúdio onde hoje gravamos as Oficinas de Astronomia® para o canal da Rede Omega Centauri no Youtube.

            O Kohoutek, também apelidado de “cometa Watergate“, voltou para as profundezas obscuras do espaço, onde permanecerá pelas próximas dezenas de milhares de anos. Mas aqui na Terra, com certeza, seu impacto foi positivo. Fico pensando em quantas carreiras de astrônomos profissionais ele pode ter incentivado. Neste sentido, podemos dizer que os astros realmente influenciam nossas vidas.


*Luiz Augusto L. da Silva é astrônomo, e desde 1973 tem admiração especial por cometas.

(www.luizaugustoldasilva.com)

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