Crônicas

CASO VASP-169: RECONSTITUINDO O VOO, E OUTROS ASPECTOS

Luiz Augusto L. da Silva*

INTRODUÇÃO

Dentro da casuística brasileira de fenômenos aéreos não identificados (FANIs), o episódio do voo VASP-169, ocorrido na madrugada de 08 de Fevereiro de 1982, chama a atenção até hoje. Ufólogos insistem em considerar o caso como uma das melhores ocorrências já documentadas em território nacional. Diversos investigadores, entre eles físicos e astrônomos, aventaram a hipótese de ter se tratado de uma observação equivocada do planeta Vênus, alguns sugerindo a ocorrência simultânea de um efeito de miragem atmosférica, ideias que foram analisadas e demonstradas como sendo plausíveis (da Silva, 2013). Em um trabalho mais recente (Visoni, 2022a), foram apresentadas fotografias feitas na ocasião por uma passageira do avião, sugerindo que não se trataria de Vênus. Mas da Silva (2022) demonstrou que as imagens  revelavam o reflexo das luzes de navegação da aeronave em nuvens próximas passantes.

            Na Internet, existe um número muito grande de sites abordando o caso de maneira confusa e muitas vezes inadequada, gerando falsas ideias e desinformação. Alguns destes sites ridicularizam a hipótese de Vênus e da miragem, criticando duramente seus autores.

            Neste trabalho, nós retomamos a discussão do caso, concentrando-nos em uma reconstituição meticulosa da sequência de eventos que constituiu o voo VASP-169 naquela madrugada, numa tentativa de tentar entender o que de fato haveria se passado a bordo da aeronave, tanto do ponto de vista da tripulação, quanto dos passageiros. Também discutimos, entre outros aspectos, a hipótese da miragem, focamos no que duas outras aeronaves  haveriam observado, aprofundamos a discussão sobre a ufofilia do pivô da ocorrência, o comandante Gérson Maciel de Britto, e analisamos mais uma imagem do suposto OVNI, obtida por outro passageiro que nunca quis se identificar.

SINOPSE

            Na madrugada de 08 de Fevereiro de 1982, um voo noturno econômico da antiga empresa aérea VASP (Viação Aérea São Paulo) partiu de Fortaleza com destino ao aeroporto de Congonhas, em São Paulo, fazendo escala no Rio de Janeiro (aeroporto do Galeão, hoje Tom Jobim). O comandante Gérson Maciel de Britto enxergou um foco luminoso intenso nas proximidades da cidade de Bom Jesus da Lapa, na Bahia, pensando inicialmente tratar-se de outra aeronave voando próxima. Uma vez informado pelo Centro de Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA) em Brasília de que não havia nenhuma aeronave nas imediações, Britto passa a considerar a possibilidade de estar sendo seguido por um objeto voador não identificado, que irá acompanhar seu avião supostamente até as proximidades do pouso na cidade do Rio de Janeiro. Em dado momento, ele alerta seus passageiros, para que observem e testemunhem o estranho fenômeno. Na próxima seção, tentaremos reconstruir a sequência de eventos daquela noite, na perna Fortaleza – Rio de Janeiro.

A RECONSTITUIÇÃO DO VOO

            A análise detalhada da sequência de eventos do voo VASP-169 na madrugada de 08 de Fevereiro de 1982 está baseada nas transmissões de rádio entre o CINDACTA e as aeronaves envolvidas (mais duas, além do avião da VASP), complementada por informações colhidas a partir de algumas matérias jornalísticas publicadas à época, além de comentários técnicos e considerações físicas, meteorológicas, astronômicas e aeronáuticas, sempre que pertinentes. Todos os horários estão em Tempo Legal do fuso GMT – 3h (hora de Brasília). Antes de passar à jurisdição do CINDACTA de Brasília, o comandante Britto manteve contato com o Centro de Controle de Voo de Recife, basicamente entre as 03:12 e pouco antes das 03:45.  Não dispomos da transcrição das suas conversas com aquele centro mas, segundo depoimentos do comandante Britto, ele basicamente indagou se havia algum tráfego naquela região como, por exemplo, um voo especial da Força Aérea Brasileira (FAB) que pudesse justificar o “ponto luminoso” que começara a observar, recebendo resposta negativa. Os contatos mantidos com o CINDACTA é que revelam os aspectos mais interessantes deste caso. Assim, vamos embarcar em uma viagem através do túnel do tempo, pegando carona naquele avião que, bem ou mal, estava prestes a entrar para a história!

FORTALEZA, BRASIL, FEV 08 1982

01:50

A aeronave Boeing 727-200 prefixo PP-SNG da VASP recebe permissão para decolar do Aeroporto Internacional Pinto Martins com destino ao Rio de Janeiro e São Paulo. Há 143 passageiros a bordo. A tripulação no cockpit é formada pelo comandante Gérson Maciel de Britto, então com 16 mil horas de voo, pelo co-piloto Carlos Alberto Goes de Brito, e pelo engenheiro de voo Francisco Cesarino. A aeronave segue a aerovia UR-1, com proa magnética de 213o, nivelando a 31000 pés (nível de voo 310), com velocidade de cruzeiro de 900km/h. É noite de lua Cheia, e o tempo está claro na rota.

02:39

O voo VASP-169 cruza a vertical da cidade de Petrolina, no extremo oeste do estado de Pernambuco (latitude φ = -09o23’55”, longitude λ = 40o30’03″W, um dos pontos fixos previstos no curso do avião.

03:12

Trinta e três minutos após Petrolina, nas proximidades da cidade de Bom Jesus da Lapa, na Bahia (φ = -13o14’52”, λ = 43o24’53” W), inicia a observação do fenômeno luminoso não identificado. A aeronave acha-se a 495 km ao SSW de Petrolina. Mas ela  não cruza a vertical de Bom Jesus da Lapa, passando por um ponto de mesma latitude, a cerca de 165 km a leste daquela cidade.A este ponto chamaremos  “ponto A”, empregando a mesma nomenclatura adotada por da Silva (2013). As coordenadas geográficas do ponto A são latitude φ = -13o14’52”, e longitude λ = 41o53’04” W.

03:45

É feito um contato com o CINDACTA em Brasília, informando a posição da aeronave naquele momento: “MOGOL quatro cinco, três uno zero Belo Horizonte zero oito.

[Traduzindo: naquele instante (03:45), o VASP-169 passava pelo fixo (ponto de referência em aerovia) conhecido como MOGOL, no nível de voo 310 (altitude 31000 pés), estimando passar pela vertical de Belo Horizonte às 04:08.]

Infelizmente, parece que as cartas aeronáuticas empregadas naquela época não estão mais disponíveis (estamos no Brasil, minha gente…), e os nomes dos pontos fixos de referência para navegação aérea mudaram (outro absurdo…). Mas, reconstruindo cuidadosamente a etapa do voo entre Bom Jesus da Lapa (ponto A) e Belo Horizonte, obtivemos coordenadas aproximadas para aquele fixo: latitude φ = -17o24’00” e longitude λ = 43o14’33” W. Este ponto fica localizado  cerca de 33 km a Leste da pequena cidade de Olhos d’Água, praticamente sobre o curso do rio Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais. Veja a Figura 1.

            Em meio ao curso desta investigação, Balioni Jr. (2022) enviou-nos uma comunicação acompanhada de arquivos digitais contendo cartas aeronáuticas de 1989 escaneadas, onde constava a posição MOGOL. Veja a Figura 2. As coordenadas exatas daquele fixo são latitude φ = -17o03’12” e longitude λ = 43o09’30” W.  Em relação a nossa estimativa, constatamos uma diferença de 0.35 graus em latitude, e de 0.1 graus em longitude. Utilizando as coordenadas precisas extraídas da carta aeronáutica, obtivemos essencialmente os mesmos resultados encontrados com nossas coordenadas estimadas, com relação ao horário de nascimento de Vênus naquele fixo, e sua altura angular em relação ao horizonte, como visto do nível de voo 310 (FL 310).

03:49

Novo contato com Brasília: “Poderia informar se há algum tráfego no seu escopo aí na posição nove horas do Vasp uno meia nove?“. Brasília responde: “Desconheço, Vasp uno meia nove.” Ao que o comandante Britto acrescenta: “Estamos observando uma, aparentemente uma aeronave mas, a iluminação muda sistematicamente de cor, é alaranjado,

Fig. 1- Estimativa da localização da posição fixa de aerovia conhecida como MOGOL nas cartas aeronáuticas vigentes em 1982.

vermelho, ou branco, aparentemente pareceu um tráfego com as luzes acesas mas como está com uma variação de cores muito acentuada nós estamos até desconfiados que seja alguma coisa diferente.” Mas Brasília reitera: “Ciente, não temos tráfego nenhum nessa posição nesse momento.

Fig. 2 – A posição MOGOL, constante de carta aeronáutica cobrindo a região de Belo Horizonte. Imagem cortesia de Balioni Jr. (2022).

03:50

O comandante Britto retorna: “É, então vamos saber para identificar o que sejam, tem alguma outra aeronave nesta região decolando que esteja com o radar de Brasília?” Respondendo à pergunta, entra no rádio a tripulação do voo TRB-177 da empresa aérea Transbrasil (Milton Missaglia e Mário Pravato, nome do engenheiro de voo desconhecido)), procedente de Manaus para o Rio de Janeiro, e que havia feito uma escala em Brasília:

– “É o VASP?

– “Afirmativo“,  responde Britto.

– “Onde é que você está?

– “Nós estamos na proa de Belo Horizonte dez minutos fora.

O voo VASP-169 encontrava-se então  cerca de 150 km a NNE da capital mineira. O Transbrasil responde:

– “Positivo. Nós estamos passando a posição SUSTO agora.

Britto responde:

– “Positivo. É que nós estamos observando aqui na posição nove horas, um aparente, era um aparente tráfego mas em parece que não é não, é uma, ampultação… de cores na posição nove horas do Vasp uno meia nove.

03:52

O comandante Britto informa ao CINDACTA que escutou uma transmissão de rádio do voo AA-169, da Aerolíneas Argentinas, que seguia na mesma aerovia, atrás do VASP-169: “Vasp uno meia nove informa que ouviu o argentina reportar que está estimando a posição MOGOL aos cinco cinco, está mantendo três cinco zero.

[Traduzindo: o voo da Aerolíneas Argentinas estimava passar pela posição MOGOL dali a três minutos (às 03:55),  voando nivelado a 35000pés  (4000 pés acima do VASP-169).]

04:04

O CINDACTA informa à aeronave da VASP que ela irá cruzar a vertical da cidade de Belo Horizonte às 04:08, confirmando a estimativa anterior do comandante Britto, comunicada às 03:45.

04:05

O comandante Britto chama o CINDACTA mais uma vez: “Poderia solicitar ao argentina se está observando essas amputações que estamos observando no radar na nossa posição, no momento oito horas?

O significado desta frase não é claro. A que radar Britto se refere? Seria o radar de bordo da aeronave? E a posição agora é 8 horas?

O CINDACTA retorna:

– “Confirme, o argentina ver o quê?

Britto:

– “Nós informamos ter observado uma sinalização possivelmente… de uma aeronave, mas Brasília contestou que não estava recebendo e não tem nenhum tráfego nesta posição, agora estamos voltando a observar uma luminosidade muito intensa e mais ou menos próxima do Vasp uno meia nove e eu queria saber se tem outra aeronave que está percebendo também.

Nos referiremos aos trechos sublinhados acima mais adiante.

O CINDACTA responde:

– “Ok, aguarde.

04:06 – 04:10

O CINDACTA chama primeiro o voo da Transbrasil, TRB-177: “Ok, o Brasil uno sete sete, o tráfego da Vasp uno meia nove está a vinte e cinco milhas sul de Belo Horizonte, nível trezentos e dez, confirme se observa alguma luminosidade nas proximidades do tráfego.

O TRB-177 responde:

– “Estamos avistando aqui realmente uma nuvem bastante grande e aparentemente fixa e seguinte como o Vasp está reportando.

O CINDACTA retorna:

– “Ok, Brasil uno sete sete.

E, a seguir, faz contato com a aeronave da Aerolíneas Argentinas:

– “Ok, o tráfego do Vasp uno meia nove está no momento trinta milhas sul de Belo Horizonte no nível três três zero. Indaga se observa alguma luminosidade próximo do tráfego dele.

[Seguindo o plano de voo, o VASP-169 sobe de 31000 pés para 33000 pés, ao cruzar por Belo Horizonte, ou o operador do CINDACTA simplesmente se enganou ao citar o nível de voo do VASP-169 como 330? (Muito provavelmente a segunda opção, como veremos adiante).]

O AA responde:

– “Repita por favor; se essa aeronave…

– “Ok, argentina uno meia nove confirme se observa alguma luminosidade nas proximidades do bloqueio Belo Horizonte.

AA-169:

– “Alguma luminosidade no bloqueio Belo Horizonte?

CINDACTA: “Afirmativo“.

AA-169: “Negativo, estou com pouca visibilidade nesse momento por nebulosidade.

04:11

Britto reporta ao CINDACTA:

– “Olha, agora a sinalização foi informada [?] que está intensa, muito intensa como se fosse uma aeronave com as ‘runways’ ligadas, eu gostaria que Brasília verificasse esta observação para efeitos de dados possivelmente, ok?

CINDACTA: “Ok, Vasp uno meia nove.

04:17

Novo pedido de Britto ao CINDACTA: “Brasília poderia solicitar ao Argentina para efetuar nova observação quanto essa luminosidade que estamos observando?“.

CINDACTA: “Ok, ele está com a radial dois quatro zero de Belo Horizonte, está na proa de Campinas já estabilizada a trinta milhas a sudoeste.

[Traduzindo: o voo AA-169 já se afastava de Belo Horizonte, seguindo agora na proa 240o (= radial 2-4-0),  em direção à Campinas, afastado de 30 milhas da capital mineira.]

O comandante argentino, que possivelmente fazia a rota Miami-Buenos Aires, entra em contato pelo rádio:

– “Favor, Vasp uno meia nove aqui é o Argentina uno meia nove.

– “Na sua escuta Argentina.

– “Favor em que posição vem a luminosidade?

– “Estou a setenta e uma milhas de Piraí, de Caxias, e nós estamos observando na posição nove horas do Vasp, nos bloqueios a sete minutos de Belo Horizonte.

– “A nove horas de sua posição?

– “Nossa posição nove horas no momento.

04:18

O diálogo prossegue:

AA-169: – “Você está aproando Campinas?

VASP-169: – “Estou aproando Barra do Piraí, no Rio de Janeiro.

AA-169: – “A Barra. É mais ou menos a sua altura ou mais abaixo?

Britto então reporta ao CINDACTA sua mudança de nível de voo, reduzindo a altitude pois já se encontrava em atitude de preparação para o pouso na cidade do Rio de Janeiro:

– “O Vasp uno meia nove livrou três uno zero para uno dois zero.

[Traduzindo: a aeronave abandonou o nível de voo 310 (31000 pés), descendo para o nível 120 (12000 pés de altitude).]

Brasília responde, e então informa sobre um contato no radar:

– “Ciente, Vasp uno meia nove, informo que estou recebendo um ponto desde cinquenta milhas sul de Belo Horizonte, um ponto exatamente na posição nove horas, seguindo o impulso exato do Vasp uno meia nove.

E Britto diz:

– “Afirmativo Brasília, ciente, obrigado.

Brasília: “Ok, o afastamento dele na posição nove horas é de, em torno de oito milhas.

VASP-169: “Afirmativo, oito milhas do Vasp, positivo?

Brasília: “Positivo, ele está oito milhas na posição nove horas, ele segue precisamente o Vasp uno meia nove.

Então, o avião da Transbrasil entra novamente na conversa:

– “O Brasil uno sete sete, poderia informar a distância para Porto, Piraí?

Brasília: “Ok, o Brasil uno sete sete, a sua distância para Piraí é cinquenta milhas, está liberado para cento e trinta, o seu tráfego é o Vasp uno meia nove que está na sua posição onze horas, vinte e seis milhas.

[Traduzindo: a aeronave da Transbrasil achava-se 50 milhas distante de Barra do Piraí, recebendo autorização para descer para o nível de voo 130 (13000 pés), uma vez que também já se encontrava em procedimento de descida e aproximação ao Aeroporto Internacional do Galeão. Na sua frente, cerca de 30 graus à esquerda do nariz da aeronave, estaria visível o VASP-169, a uma distância de 26 milhas.]

04:20

O Transbrasil responde:

– “Positivo, essa luminosidade que o Vasp vem reportando nós estamos observando, está na nossa posição onze horas, ok?

Brasília: “Ok.

Então o Aerolíneas Argentinas (AA-169) intervém:

– “Não será Vênus?

Ao que o Transbrasil comenta:

– “É, mas Brasília tá recebendo no radar.

            Ainda às 04:20, Britto teria feito contato com a Torre do Destacamento de Proteção de Voo do Galeão, indagando se haviam detectado  “algum ruído“. O oficial de serviço lá, tenente Tristão Mariano, respondeu com “Entendida. Mensagem entendida.

04:22

Brasília transfere o controle do voo VASP-169:

– “O Vasp uno meia nove, transponder zero sete zero zero, descendo cento e vinte controle em uno dois zero três.

[A tripulação deveria contactar o novo centro de controle na frequência de 120.3 MHz, para posteriores instruções.]

Ao que Britto responde: “Uno meia nove ciente.

04:34

Concentrada nos procedimentos finais de aproximação e pouso por instrumentos, procedimento ILS, a tripulação do VASP-169 vê o “objeto” pela última vez em sua posição onze horas, isto é, cerca de 30 graus a bombordo do nariz da aeronave, supostamente “sobrevoando a baía da Guanabara”…

04:37

O voo VASP-169 aterrissa na pista 14 do Aeroporto Internacional do Galeão encerrando o incidente.

COMENTÁRIOS SOBRE A RECONSTITUIÇÃO DO VOO

            Todos os diálogos entre as tripulações envolvidas e o CINDACTA em Brasília foram rigorosamente transcritos a partir das gravações do serviço daquela noite, atreladas aos horários em que se verificaram, conforme disponibilizado por Martins (2011).

            O primeiro aspecto a observar é quanto as condições meteorológicas então vigentes na rota do voo.  A expressão “tempo bom na rota” não significa necessariamente ausência de nebulosidade, e sim ausência de condições de tempo severo. Na região nordeste, o tempo estava inicialmente claro, com céu  aberto, mas na região sudeste, na altura de Minas Gerais, existia nebulosidade associada a uma frente fria, perceptível na imagem do satélite GOES-5 daquele dia, obtida às 03:00 (horário de Brasília), reproduzida em da Silva (2013), e novamente aqui, parcialmente e bastante ampliada (Figura 3).  As nuvens afetavam a visibilidade até mesmo da aeronave da Aerolíneas Argentinas, que viajava 4000 pés mais alta que o VASP-169, seguindo o mesmo curso, como fica claro pela declaração do comandante argentino ao CINDACTA, feita ao redor das 04:08 (± 1 min). Nas proximidades do Rio de Janeiro,  ainda havia obstruções parciais da visibilidade, provocadas por nuvens esparsas. No trecho Belo Horizonte – Rio de Janeiro, o VASP-169 começa a mergulhar mais fundo na camada de nuvens, à medida que reduz a altitude com vistas ao pouso no Aeroporto Internacional do Galeão. Britto dá ciência desta descida ao CINDACTA, em transmissão às 04:18.

            A ocorrência de uma miragem atmosférica do tipo superior com formação de duto óptico é condição essencial para explicar a visibilidade de Vênus na altura da cidade de Bom Jesus da Lapa, que foi onde a luz estranha começou a ser observada, às 03:12. Naquela posição, ao nível do mar, Vênus nasceria somente às 04:01. Para um observador a 10000 metros de altitude, uma depressão horizontal de 3 graus anteciparia o nascimento normal em no máximo 12 minutos, portanto para as 03:49. Às 03:12, horário do início   da  observação da   luz pelo  comandante   Britto, Vênus ainda estava a 12.1 graus abaixo do horizonte (na posição de Bom Jesus da Lapa para uma altitude de 0 m), ou -9.1 graus, na altitude da aeronave. Quando Vênus nasce normalmente na posição de Bom Jesus da Lapa (considerando uma altitude h = 0m), o VASP-169 já se encontrava nas imediações da cidade de Belo Horizonte. No ponto A, às 03:12, Vênus achava-se a10.8o abaixo do horizonte, ao nível do mar. No nível de voo 310,a depressão seria 7.8o. Portanto, a presença de uma miragem afigura-se como essencial,    para explicar a   antecipação aparente do horário    de

Fig. 3 – Ampliação da imagem do satélite meteorológico GOES-5, obtida às 06:00 GMT (03:00 horário legal de Brasília) em Fev. 08, 1982, mostrando detalhes da frente fria que se encontrava sobre a região sudeste. A cobertura fragmentada de nebulosidade sugere o início do processo de enfraquecimento e dissipação da frente (conhecido como frontólise). A imagem cobre o intervalo de comprimentos de onda entre 10.3 e 12.1 μm, portanto na região do infravermelho (NOAA).

nascimento de Vênus. Na capital mineira, naquela ocasião, Vênus nasceu às 03:56 no azimute astronômico 105.3 graus (considerando-se um observador hipotético ao nível do mar). Para o VASP-169, o nascimento teria sido visível às 03:44 no azimute astronômico 106.3 graus. Naquele instante, de acordo com a informação do comandante Britto ao CINDACTA transmitida às 03:45, o VASP-169 cruzava pela posição MOGOL. Considerando-se as coordenadas deste fixo de aerovia (latitude φ = -17o03’12” e longitude λ = 43o09’30” W) ali, para um observador ao nível do mar, Vênus nasceria normalmente às 03:56 . E despontaria 12 minutos

Fig. 4 – Resumo das principais etapas do voo VASP-169 em Fev. 08,1982, conforme a reconstituição detalhada realizada no presente trabalho.

antes, às 03:44 a 10 mil metros de altitude. Ora, o VASP-169 cruzou por ali às 03:45!Portanto, o nascimento normal de Vênus (já sem a necessidade de uma miragem!) coincide com o cruzamento do VASP 169 pelo fixo MOGOL! Então, uma miragem é necessária apenas entre Bom Jesus da Lapa (Ponto A) e, no máximo, até a posição MOGOL.

 Quando, em sua comunicação ao CINDACTA  das 03:49, Britto informa que “estamos observando” (a luminosidade), ele já estava observando Vênus normalmente, rente à linha do horizonte.

            Ainda com referência à miragem, obviamente ela não deve ter perdurado durante todo o trecho entre o ponto A e o cruzamento da posição MOGOL, que compreende o intervalo de tempo entre as 03:12 e as 03:45.        O mais provável é que ela tenha sido observada apenas por alguns minutos, e então desaparecido. O fim da miragem pode não ter sido visto por causa do início da interposição da nebulosidade. De fato, a posição MOGOL já estava afetada por campos de nuvens, ou seja, ali o céu já não era mais “de brigadeiro”…Isto fica claro quando se compara a imagem ampliada do satélite das 03:00 com um mapa geográfico da região sudeste!

            Logo depois, quando o VASP-169 cruza a posição MOGOL, coincidindo com o nascimento normal de Vênus ali, o avistamento da luz estranha recomeça. E pode ter sido interrompido mais de uma vez. De fato, às 04:05 Britto diz ao CINDACTA que havia informado anteriormente “ter observado uma sinalização possivelmente … de uma aeronave“, acrescentando logo em seguida que “agora estamos voltando a observar uma luminosidade muito intensa“. Provavelmente, como já foi ressaltado, a miragem foi observada por um período limitado de tempo, antes que a aeronave começasse a mergulhar nos campos de nuvens presentes na região sudeste. Quando Vênus volta a ser visível, já não havia mais miragem, e ele já estava acima do horizonte, com seu aspecto normal.

            Quando aconteceu, exatamente, o cruzamento da vertical de Belo Horizonte? Em contato com o CINDACTA às 03:45, o comandante Britto estimava BH para às 04:08. Em transmissão às 04:04, o CINDACTA também estima 04:08 para aquele mesmo ponto. Mas, às 04:06, ao contactar a aeronave do voo TRB-177, o operador do CINDACTA informa que o VASP-169 já “está a 25 milhas sul de Belo Horizonte“, e ao fazer contato com o voo AA-169, em algum momento entre 04:06 e 04:10  (possivelmente ao redor de  04:08 ± 1min?), diz que o “Vasp uno meia nove está no momento trinta milhas sul de Belo Horizonte“. A partir da informação do CINDACTA de que, às 04:06 o VASP-169 encontrava-se 25 milhas ao sul de BH, e considerando uma velocidade de cruzeiro de 900 km/h para a aeronave, calculamos que o cruzamento da vertical de BH deve ter se dado às 04:03. Após aquele momento, a aeronave do voo VASP-169 altera a proa para 196 graus (Balioni Jr., 2022), pegando a aerovia UB680, que a conduziria ao VOR de Barra do Piraí.

            A tabela 1 fornece a elevação angular do planeta Vênus conforme teria sido visto de uma altitude de cerca de 10 mil metros, na posição de Belo Horizonte (isto é, já considerando-se uma depressão de horizonte de 3 graus).

Elevação angular de Vênus na posição da cidade de Belo Horizonte em Fev. 08, 1982, visto de uma altitude de 10000 m.

            Portanto, a persistência de um efeito de miragem atmosférica torna-se desnecessária na etapa do voo entre a posição MOGOL e a cidade do Rio de Janeiro. A ocorrência da referida miragem, voltamos a enfatizar,  é necessária apenas no trecho entre o ponto A (proximidade de Bom Jesus da Lapa) e pouco antes do cruzamento pelo fixo MOGOL, pelo menos até o momento do início da interposição de nebulosidade na rota.

            Em resumo: No ponto A, para o nível de voo 310 (FL 310), o horário de nascimento normal de Vênus teria sido às 03:43, mas foi visto às 03:12, pelo efeito de uma  miragem superior. Na posição MOGOL, Vênus nasce às 03:44 (para o FL 310), e o VASP-169 cruza por ali às 03:45. Na vertical de BH, para o FL 310, Vênus também nasce às 03:44, praticamente o mesmo horário da posição MOGOL, e o VASP-169 cruza a vertical da cidade às 04:03, quando Vênus já está 3.9 graus acima da linha do horizonte.

            No momento exato do pouso, às 04:37, na pista 14 do Aeroporto do Galeão, Vênus estava a 9.9 graus de altura sobre o horizonte (efeito da refração atmosférica incluído), na posição 11 horas visto do cockpit do avião. A diferença entre o azimute de Vênus e o azimute do suposto objeto seria de apenas 6.5 graus (da Silva, 2013), constituindo uma ótima oportunidade para Britto insistir que via os dois simultaneamente, uma coisa que jamais aconteceu.

COMENTÁRIOS SOBRE O “CONTATO” DE RADAR

            O CINDACTA informa sobre o ponto no radar entre 04:18 e 04:20. Adotaremos 04:19. Diz que estava situado 50 milhas náuticas (NM) ao sul de BH,  e que seguia exatamente o VASP-169 em sua posição 9h a 8 milhas de distância. Mas a posição desse ponto não coincide com a posição do VASP-169 às 04:19!!!

Se não, vejamos:

            Se o VASP-169 cruzou a vertical de BH às 04:03, a 900km/h, às 04:19, 16 minutos depois, a aeronave já teria se afastado 243 km de BH!Ora, 1 NM = 1,852 km, è 50 NM = 92,6 km! ENTÃO, o suposto objeto, responsável pelo ponto no radar, estaria a 150,4 km na retaguarda da aeronave (posição 6h), completamente INOBSERVÁVEL desde o cockpit do avião!!!

            Por outro lado, se levarmos em conta a posição informada por Britto às 04:17 ao voo AA-169 (“sete minutos dos bloqueios de Belo Horizonte“, isto é, 7 minutos após a vertical de BH), então o VASP-169 estaria a 135 km (72.9 NM) da capital mineira, indo na direção da cidade de Barra do Piraí. Neste caso, a distância entre o ponto no radar e o VASP-169 ainda seria de 22.9 NM na posição 6h da aeronave!

            Na Figura 5 mostramos um croqui (fora de escala) da distribuição geográfica das três aeronaves, onde tanto a posição estimada do VASP-169 quanto do TRB-177 foram calculadas a partir das informações repassadas pelo controlador de voo do CINDACTA, sendo a velocidade assumida para o TRB-177 também igual a 900 km/h.

            As características dinâmicas do misterioso ponto de radar, “seguindo o impulso exato do Vasp uno meia nove”, de acordo com a transmissão de rádio do operador do CINDACTA, sugere um efeito do equipamento rastreador, gerando um ECO ANÔMALO de radar do próprio VASP-169! Aliás, a razão de as autoridades aeronáuticas haverem descartado o significado   daquele  “contato” de  radar  foi  que,     naquela

Fig. 5 – Posições geográficas estimadas das aeronaves AA-169, VASP-169, e TRB-177 às 04h17min (horário de Brasília), em Fev. 08, 1982, nas cercanias de Belo Horizonte.

mesma noite, o tal ponto apareceu também próximo a outras aeronaves, sem que as mesmas houvessem reportado quaisquer anormalidades!

            De acordo com Sharma (2016), existem vários tipos de sinais anômalos de radar, de ocorrência frequente. Eis alguns exemplos:

SECOND-TRACE ECHOES

            Ocorrem sob condições atmosféricas anormais, ou com presença de super-refração;

RANGE FOLDED ECHOES

            Ecos falsos na metade da distância do alvo real;

SIDE-LOBE ECHOES

            Ecos secundários de um alvo gerados por reflexões dos sinais emitidos pelos lóbulos laterais de emissão da antena transmissora;

MULTIPLE ECHOES

            Dois, três, ou mais ecos de radar observados, respectivamente, no dobro, triplo, ou em múltiplos da distância do alvo real.

            A conclusão óbvia é que a alegada detecção por radar do “OVNI de Britto” não possui o peso evidencial alto comumente atribuído a ela pelos ufólogos. Ela também não está relacionada às condições atmosféricas anômalas prevalecentes durante a fase da miragem óptica de Vênus. A miragem óptica aconteceu no trecho ponto A – MOGOL, enquanto o “avistamento” pelo radar aconteceu na etapa BH – Rio de Janeiro! Portanto, não existe relação alguma entre ambos, o que poderia reforçar a hipótese da presença de ecos anômalos no equipamento de radar do CINDACTA naquela madrugada.

PASSAGEIROS

            O que os passageiros do voo VASP-169 viram, exatamente,  através das janelas do lado esquerdo do avião, a partir do momento em que foram acordados pelo comandante Britto?

            Segundo o depoimento da passageira Eliane Belache à imprensa, Britto teria avisado os passageiros por volta das 04:15, dizendo que o “objeto” os estava seguindo já durante uns dez minutos. Este lapso de tempo concorda com a transmissão de Britto ao CINDACTA, feita às 04:05, onde ele diz que “agora estamos voltando a observar uma luminosidade muito intensa“.

            A aeronave já executava o trecho Belo Horizonte – Rio de Janeiro,   começando a reduzir a altitude, mergulhando nas camadas de nuvens esparsas da frente fria que se achava sobre a região sudeste. Também já eram perceptíveis os primeiros sinais da aurora, ou seja, do clarear do dia.

            Portanto, os passageiros não teriam observado a primeira etapa da aparição, entre Bom Jesus da Lapa (ponto A) e a posição MOGOL, onde se incluiria o efeito da miragem. Quando despertados pela tripulação, eles devem ter visto apenas Vênus acima do horizonte, com seu aspecto normal. Até então, ninguém a bordo da cabine de passageiros fazia a mínima ideia do que estava acontecendo no cockpit. À medida que o planeta escalava lentamente o céu, sua luz era menos extinta pela atmosfera, e ele ganhava intensidade de brilho. A passagem de nuvens entre o avião e o planeta pode ter dado a perfeita impressão de que o “objeto” se aproximava e se afastava da aeronave, simulando uma ilusão de movimento longitudinal ao longo da linha de visada observador – planeta, enquanto parecia acompanhá-la. É preciso lembrar ainda que, no caso de ser visto através de nuvens ralas, Vênus frequentemente aparenta estar aquém das nuvens, dando a perfeita impressão de um objeto próximo, situado dentro da atmosfera, e não no espaço.

            Em 1982, a aparição matutina de Vênus iniciou-se com a sua conjunção solar inferior, em Janeiro 21. O planeta invadiu rapidamente o céu das madrugadas, e atingiu o máximo brilho (magnitude -4.6) em Fevereiro 24. Assim, no dia 8, ele já estava muito brilhante (com magnitude -4.55). De fato, o brilho de Vênus é tão intenso que, em lugares escuros, chega a projetar  sombras fracas.

            A edição de 09 de Fevereiro de 1982 do jornal Folha de São Paulo trouxe o depoimento de outra passageira, de nome Silésia Paes del Rosso, que descreveu ter visto um objeto muito brilhante, com cinco pontas, mas que não tinha nenhum raio luminoso: “Não tinha, assim, nenhum facho colorido; era uma coisa quase estática, me parece até parado no ar, com muito brilho, muita luz.” Temos aqui o relato de uma típica observação de Vênus!

            Costumamos dizer que Vênus “parece um farol de aeronave acionado” quando em procedimento de aproximação para pouso. A impressão transmitida pelas palavras do comandante Britto é exatamente esta, quando ele relata que “a sinalização” parecia ser a de uma “aeronave com as ‘runways’ ligadas.” Esta descrição consta na transmissão das 04:11 ao CINDACTA, portanto quando Vênus já estava visível com seu aspecto normal.

            Considerando que os passageiros teriam sido despertados às 04:15, as 6 fotos obtidas pela passageira Lígia Auxiliadora Rodrigues (Visoni, 2022a; da Silva, 2022) teriam sido capturadas ao redor daquele horário, ou alguns poucos minutos depois. Conforme já referimos anteriormente, ela haveria fotografado o reflexo das luzes de navegação da extremidade da asa esquerda do avião nas nuvens passantes próximas da aeronave (da Silva, 2022). Provavelmente Vênus não lhe chamou a atenção por estar, quiçá, momentaneamente escondido atrás das nuvens, e também porque ela teria se concentrado em apontar a câmera visando fotografar alguma coisa que estaria “seguindo o avião”, portanto, mais atrás da aeronave.

            Concernente aos relatos de alguns passageiros de que o interior da cabine do avião teria ficado iluminado pela luz emitida pelo “objeto”, é preciso interpretar tal afirmação com cautela, pois era noite de plenilúnio (Lua Cheia). O anuário Efemérides Astronômicas, publicado pelo Observatório Nacional do Rio de Janeiro para o ano de 1982 menciona o instante da Lua Cheia como sendo às 05 horas (horário de Brasília) daquela mesma madrugada. Apenas 3 dias antes, dia 05 de Fevereiro às 11 horas, a Lua tinha passado pelo perigeu da sua órbita (menor distância à Terra). Assim, se fosse hoje, a mídia provavelmente teria se referido àquela Lua Cheia como uma “superlua”. Superluas podem ser até 16% mais brilhantes que uma Lua cheia comum, isto é, situada à distância média da Terra (da Silva, 2018). Então, é perfeitamente possível que alguns passageiros tenham confundido a claridade do luar invadindo as janelas do avião, pensando que se tratava da luminosidade produzida pelo “objeto”.

            Ademais, Britto estava acionando intermitentemente as runway lights da aeronave, que são muito intensas, na tentativa de se comunicar com o suposto OVNI. Aliás, estas luzes são tão potentes que os pilotos devem sempre tomar cuidado para não acioná-las por engano, quando uma aeronave está estacionada em um aeródromo, cercada pelo pessoal de apoio em terra! Outros passageiros podem ter associado tais luzes e seus reflexos com as luzes de um OVNI, que não existia… E, de fato, isto aconteceu, como se pode depreender do depoimento da já referida passageira Eliane Belashi, à mídia da época: “O voo foi muito bom. Por volta das quatro horas da manhã, eu estava tentando dormir, pois não consigo dormir em viagens, e pensei que as luzes do avião tivessem se acendido. Quando abri os olhos, enxerguei uma luz intensa do lado de fora, exatamente onde eu estava sentada, ou seja, sobre a asa esquerda. O clarão era realmente muito forte. O avião por dentro ficou inteiramente iluminado. Quando abri os olhos, pensei que as luzes do avião tivessem se acendido. Pouco depois, o comandante acordou os passageiros pelo rádio para comunicar o que estava acontecendo.” Ou seja, o que a passageira inicialmente pensou – corretamente – tratar-se das luzes do avião, passa a ser interpretado como as luzes do “OVNI”, que ela irá descrever como “uma bola de futebol incandescente“.

Fig. 6 – Luzes de pouso e decolagem acionadas em um Boeing 727, situadas nas asas, junto à fuselagem da aeronave. Crédito da imagem: Plane Spotter HD Curitiba.

            A seguir, citamos e comentamos brevemente mais algumas descrições fornecidas por outros passageiros entrevistados na ocasião.

Silésia Paes del Rosso (já citada): “E realmente vi. Ele brilhava como uma lâmpada de mercúrio de iluminação pública.” Lâmpadas de mercúrio possuem uma característica coloração branca. Vênus também é branco. Portanto, a descrição é novamente compatível com uma observação do planeta Vênus.

Maria Silva Marrocos: “Um ponto de luz muito forte, que aumentava e diminuía de intensidade. Fiquei emocionadíssima.” Descrição exata do aspecto do planeta Vênus. As variações de intensidade de brilho sem dúvida eram devidas à interposição da nebulosidade de espessura variável, que já sabemos que estava presente.

Sandra Helena Vieira: “Fiquei surpresa e emocionada. Vi uma luz intensa que se aproximava e se afastava. Gostaria que ‘eles’ entrassem em contato conosco.”  Mais uma descrição compatível com a observação do planeta Vênus visto através das nuvens com espessura variável. As variações de brilho por causa da nebulosidade são erroneamente interpretadas como movimentos de aproximação e afastamento do observador, como já havíamos referido mais acima.

            Note-se que os passageiros estão reportando um ponto luminoso intenso com brilho variável, bem diferente das palavras do comandante Britto, de “um perfil discoide imenso”…

            Mas nem sempre as descrições são tão precisas. Veja-se, a título de ilustração, os seguintes depoimentos, fornecidos por outros passageiros:

Francimeire S. de Araújo: “Um círculo de luz fluorescentes, um OVNI sem dúvida.

Rômulo Andrade Lima: “O formato do OVNI era oval, o centro mais luminoso e as bordas mais claras. Mas não vi as tais pontas que outros passageiros falaram.

Terezinha Macedo: “O objeto parecia emitir luz, não refletir.

            Como alguém pode discernir com segurança entre emissão e reflexão de luz? Vênus, como todos os planetas, não emite luz, limitando-se a refletir a que recebe do Sol. Aliás, reflete muito bem por sinal, em virtude da sua atmosfera espessa, sendo dentre os planetas clássicos do sistema solar aquele que detém o maior albedo [0.65; Bishop (2014)]. “Centro luminoso e bordas mais claras” provavelmente quer dizer que o brilho das bordas era menor. O adjetivo “claras” é usualmente considerado como sinônimo de “luminoso”, assim a descrição acaba sendo ambígua… E “círculo”, ou ainda “esfera”, são termos frequentemente empregados (inadequadamente!) para descrever simplesmente um ponto luminoso, como se constata em da Silva, Kemper e Hoffmann Netto (2021), onde uma testemunha, ao tomar por um OVNI comprovadamente o planeta Júpiter nascendo à noite sobre o mar, visto da beira da praia, o descreve como uma “esfera de luz, a 200 metros de altura, um ou dois quilômetros distante“…

            A maioria das pessoas não consegue escolher bem as palavras, na hora de descrever alguma coisa que tenham visto ou presenciado, resultando em depoimentos difíceis de interpretar. Também temos tais exemplos entre os passageiros do voo VASP-169, como se constata abaixo:

Bento Lacerda César: “Era parecida com uma salsicha afunilada nas duas pontas.” Consta que esta testemunha era coronel reformado do Exército.

A. L. Ximenes: “O que eu vi era como uma segunda lua.”

            A passageira Silésia Paes del Rosso, já mencionada acima, ainda descreveu o “objeto” como “redondo, assim como um aro. Não redondo como uma bola, mas sim como um disco. Lembrava muito um lustre achatado, virado para cima.” Redondo, aro, bola, disco, lustre achatado… Outra testemunha, não identificada, mencionou um “submarino invertido“…Perguntamos: é realmente possível obter uma ideia exata do que a testemunha estava visualizando?

            Por fim, é necessário lembrar ainda o depoimento da psicóloga Virgínia Drumond, que não era passageira do voo 169 da VASP, e sim residente em Niterói. Segundo ufólogos, ela teria visto o objeto pairando sobre a Baía da Guanabara, conforme o comandante Britto informara, minutos antes do pouso do VASP-169 na cidade do Rio de Janeiro. Esta informação é falsa, pois a observação deu-se ao redor das 5 horas da madrugada do dia seguinte, 9 de Fevereiro, quando a testemunha levantou-se e foi até a cozinha do seu apartamento para tomar um remédio contra sinusite. Disse ela que, “passando pela sala, vi, da janela, algo tão luminoso, como se fosse uma estrela muito grande, e eu o colocaria em termos de dimensão como se fosse metade da lua cheia.” Trata-se, sem sombras de dúvidas, de um avistamento do planeta Vênus, onde a grande luminosidade acabou sendo traduzida por uma ideia de tamanho correspondente à “metade da lua cheia“.

OUTRAS AERONAVES

            Inúmeros sites na Internet e canais no YouTube afirmam que as observações do comandante Britto, sua tripulação e passageiros, foram referendadas pelas tripulações de duas outras aeronaves. De fato, houve diálogos e trocas de informações entre a tripulação do VASP-169 e aquelas dos voos TRB-177 e AA-169. Todas as conversas estão reproduzidas literalmente e na íntegra na primeira parte do presente trabalho. E as conclusões que podemos tirar delas são muito claras:

– A tripulação do voo Aerolíneas Argentinas 169, quando solicitada, reportou inicialmente que não tinha visibilidade por causa da nebulosidade. E num segundo momento, inquirida novamente, indagou se a luminosidade observada poderia ser o planeta Vênus.

– A tripulação do voo Transbrasil 177 primeiro disse que só enxergava uma nuvem, e depois opinou que poderia ser Vênus, embora tenha mudado de opinião ao saber do contato de radar captado em Brasília. Este fato só demonstra que os pilotos Milton Missaglia (comandante) e Mário Pravato (co-piloto) não possuíam conhecimentos suficientes de astronomia para continuar afirmando peremptoriamente que estavam enxergando Vênus. Dias depois, Milton Missaglia afirmou que só havia visto Vênus na posição anunciada por Britto naquela madrugada. Mas seu colega Mário Pravato, em uma declaração também posterior, faz afirmações absurdas. Disse ele: “Comecei a observar a luminosidade do objeto por volta das 03:40 e confirmo tudo que o comandante Britto disse. Era uma coisa muito linda. Uma luz muito forte que até hoje eu não tinha visto. Era muito potente. Tinha forma  arredondada bem maior do que um aparelho de TV em cores. [?!] O que me chamou mais a atenção foi o tipo de luz e a claridade que emitia.” E prossegue: “Olha, eu não posso afirmar categoricamente que se tratava de um disco voador. Mas tenho certeza de que não era Vênus, como chegaram a noticiar. Vênus é um planeta que sempre é avistado a olho nu pelos pilotos. Emite uma luz mais fraca e seu tamanho, da cabine de um jato, pode ser comparado ao de uma bola de futebol de salão. [?!] O objeto que acompanhava o Boeing da VASP era do tamanho de uma TV em cores de 16 polegadas. Eu já vi Vênus várias vezes, mas nunca com essa claridade.

            Essas declarações são surpreendentes, ainda mais quando lembramos que seu colega de cabine, que estava sentado ao lado, e portanto tinha a mesma visão que ele, reiterou que só havia visto Vênus naquela madrugada! As declarações de Pravato parecem extremamente exageradas, até fantasiosas. E são gravemente imprecisas, evidenciando sua total falta de conhecimentos físicos básicos. Não se pode misturar diâmetro linear (“TV em cores de 16 polegadas” ou “bola de futebol de salão“) com diâmetro angular, sem incluir uma distância linear. A relação entre diâmetro linear, diâmetro angular, e distância é dada pela relação matemática simples:

            S = θ . R                                                                                           (1)

onde S é o diâmetro linear de um objeto medido em metros, θ é seu  diâmetro angular medido em radianos, e R é a distância que separa o observador do objeto. Portanto, sem indicar uma distância até a tal TV de 16 polegadas, ou a bola de futebol de salão, os comentários de Mário Pravato não dizem absolutamente coisa nenhuma sobre as dimensões do “objeto”. Na verdade, é até surpreendente que um piloto aeronáutico experiente tenha feito declarações tão primárias e sem sentido. E que certamente não foram confirmadas, nem de longe, pelo seu colega, que confirmou, bem mais sensatamente, ter visto apenas o planeta Vênus.

            Portanto,  matérias como a publicada no jornal Folha de São Paulo, na terça-feira, 09 de fevereiro de 1982, ou Zero Hora, na mesma data, respectivamente com os títulos OVNI é Visto de Três Aeronaves e Pilotos da Transbrasil estão Confirmando Relato não correspondem exatamente à realidade dos fatos verificados naquela noite, constituindo-se num exemplo típico de um efeito lente midiático distorsivo (da Silva, in press).   

            É um erro comum pensar que pilotos de aeronaves devem ser profundos conhecedores de astronomia. Na verdade, em sua maioria, eles não são.  Tampouco é preciso ser expert em astronomia para pilotar um avião. Portanto, não causa nenhuma surpresa o fato de um ou mais pilotos aeronáuticos, com milhares de horas de voo, confundirem eventualmente o planeta Vênus com alguma outra coisa. E isto certamente também não impacta diretamente a segurança da aviação.

            “É sempre Vênus!…”, dizem os inconformados. Bem, nem sempre. Mas no caso do voo VASP-169, as evidências em prol de Vênus são múltiplas, além de muito contundentes.

MIRAGEM

            Em um artigo anterior (da Silva, 2013), não só pensamos haver demonstrado a necessidade do envolvimento de uma miragem atmosférica, a fim de explicar a antecipação no momento do nascimento de Vênus no caso VASP-169, como também sugerimos dois exemplos de miragens em particular, a Fata Morgana, ou o efeito Novaya Zemlya, inclinando-nos mais por este último.

            Em um vídeo recente disponível no YouTube, fomos duramente criticados por aquela sugestão. Foi alegado que a miragem Novaya Zemlya é muito rara, e que só pode acontecer em regiões frias, como por exemplo no Ártico. Não é verdade. O efeito pode acontecer em qualquer latitude. Ele normalmente funciona para astros com depressões na faixa de 2 graus a 5 graus abaixo do horizonte, quando as variações de temperatura do ar são grandes o bastante para produzir muita refração. O fato de Vênus estar a 7.8 graus abaixo do horizonte no ponto A no começo da observação do comandante Britto, já se considerando aí a depressão do horizonte por causa da altitude de cruzeiro da aeronave, não invalida necessariamente a hipótese de um efeito Novaya Zemlya, embora possa, talvez, apontar para alguma outra variedade de miragem. O que precisamos basicamente no caso do voo VASP-169, é de uma miragem atmosférica superior com inversão térmica complexa, capaz de formar uma espécie de “fibra óptica” natural, para conduzir a luz de uma fonte situada abaixo da linha do horizonte. Novaya Zemlya e Fata Morgana são exemplos daquelas condições, principalmente a primeira, e envolvem fortes camadas de inversão. Mas certamente não são as únicas possibilidades. De fato, especialistas (e.g., Young, 2020; Lehn, 2003; Greenler, 1987; Lehn e Legal, 1998, entre muitos outros) são unânimes em reconhecer que devem existir muitos tipos de miragens complexas semelhantes, ainda não compreendidas e modeladas. Poderíamos ainda mencionar as mock mirages, que podem produzir múltiplas imagens de um mesmo objeto, cujas formas mudam constantemente de maneira imprevisível. E o fenômeno de looming, que possibilita a observação de objetos situados abaixo da linha do horizonte, uma condição causada por refração anomalamente alta, derivada de um decréscimo íngreme na densidade do ar com a altitude. Ou seja, a hipótese da miragem nada possui de absurdo, no caso do voo VASP-169.

CLASSIFICANDO A OCORRÊNCIA

            Na literatura científica investigativa dos fenômenos aéreos não identificados foram propostos diversos sistemas de classificação quantitativos, de caráter subjetivo ou semi-objetivo, que procuram aferir o peso evidencial de uma ocorrência “ufológica”. No apêndice 1 deste trabalho, encontra-se um resumo de vários deles, incluindo a proposição de um esquema alternativo, a técnica do espaço casuístico, proposta pelo autor. Para ver detalhes de cada sistema empregado abaixo, consulte aquele apêndice, ou ainda a Oficina de Astronomia® número 355, disponível no volume digital Oficinas de Astronomia® – Coletânea Volume 3, disponível para aquisição no site da Rede Omega Centauri (www.redeomegacentauri.org). Na sequência, utilizaremos diversos daqueles sistemas para avaliar o peso evidencial do caso VASP-169.

Índices de Estranheza e Probabilidade de Hynek: Uma vez que o CINDACTA descartou o alegado contato de radar alguns dias após a ocorrência, classificamos o caso VASP-169 como FANI distante do observador, na sub-categoria Luzes Noturnas, com índice de estranheza igual a 1 (numa escala de 1 a 10) e probabilidade igual a 5 (numa escala de 1 a 10, infelizmente uma estimativa demasiado subjetiva).

Classificação de Jacques Vallée: Dentro do esquema proposto pelo cientista francês, o caso VASP-169 pode ser enquadrado em até três categorias, a saber: tipo IIIc (com alterações de aparência e mudanças de luminosidade, principalmente na fase da miragem), tipo IVa (“voo” contínuo), e tipo Vb (objeto de aspecto estelar, sem movimento por período longo de tempo). Considerando-se, neste último caso, que o “objeto” estava sendo visível por um período longo de tempo, sempre na mesma posição, visto de dentro de um avião movendo-se a 900 km/h, isto por si só já sugere uma fonte luminosa distante de natureza astronômica.

Escala de Estranheza e Credibilidade de Berliner: Aqui a estranheza varia de 0 a 10. Ao caso VASP-169 pode, no máximo, ser atribuído o valor 1 (luz noturna, sem objeto aparente). Dado que a investigação científica da ocorrência aponta que uma confusão com o planeta Vênus é praticamente inescapável, a estranheza resulta igual a zero (fenômeno identificado). No quesito credibilidade, o caso poderia ser enquadrado como 5 (radar/visual), também numa escala de 0 a 10, ou mesmo 6 (fotos amadoras). Considerando,  entretanto, o descarte oficial do contato de radar, e que as únicas fotos conhecidas obtidas durante a ocorrência foram esclarecidas (da Silva, 2022, e o presente trabalho), resta-nos atribuir o valor 2 (múltiplas testemunhas médias).

Fatores de Estranheza e Probabilidade de Speiser: Numa escala de 1 a 5, a estranheza no caso do voo VASP-169 resulta igual a 1 (fenômeno explicado), e a probabilidade (numa escala de 1 a 5) igual a 4 (caso com credibilidade e repercussão).

Classificação de Poher: Para este autor, a credibilidade está relacionada com as testemunhas de uma ocorrência, enquanto a estranheza diria respeito aos fatos observados. Sua escala de credibilidade vai de 0 a 5. Seguindo os critérios definidos por Poher, a credibilidade relacionada ao caso VASP-169 resulta igual a 4.1, enquanto a estranheza é nula (caso não de todo estranho).

Sistema Ballester-Guasp: Este sistema é considerado como o mais detalhado método de classificação quantitativa de reportes de fenômenos aéreos não identificados (FANIs) elaborado até hoje. Foi proposto por Ballester-Olmos e Guasp (1981, 1988), e propõe o cálculo de um escore geral para uma dada ocorrência, obtido pela multiplicação de três fatores numéricos, cada um variando desde 0 até 1, e que representam o grau de certeza de que um reporte efetivamente esteja associado a um evento anômalo, e que teria acontecido conforme o relatado. O primeiro fator lida com a quantidade e com a qualidade dos dados disponíveis, o segundo diz respeito à anormalidade (ou estranheza) inerente ao evento, enquanto o terceiro fator relaciona-se com a credibilidade da ocorrência, baseando-se na confiabilidade, maturidade, e circunstâncias das testemunhas entrevistadas.

            Para o caso VASP-169, estimamos 0.4 para o primeiro fator (informações derivadas de veículos da mídia, narrativas de terceiros, e simulações). Para o segundo fator, usamos o valor 4 [detecção tecnológica (radar, instrumentos ópticos, filmes)], resultando o valor 0.57, enquanto para o fator 3, calculamos o valor 0.875 (ver o Apêndice 1). Então, o índice de certeza de Ballester-Guasp resulta igual a 0.2 (numa escala de 0 a 1).

Sistema Simplificado Ballester-Crivillén: Este sistema foi proposto por Ballester-Olmos (2000), e determina um peso evidencial entre 0 e 4 para uma dada ocorrência anômala, contrapondo estranheza versus quantidade de documentação. Para o caso VASP-169, estimamos a estranheza como 0 (baixa, numa escala de 0 a 2), e a documentação como 1 (baixa, escala de 0 a 2). O peso é encontrado somando-se os valores atribuídos à estranheza e à documentação, sendo o resultado para o caso do voo VASP-169 igual a 1 (baixo, escala de 0 a 4).

CASO VASP-169

Avaliação subjetivo-quantitativa do caso VASP-169 conforme os sistemas descritos no texto e detalhados no apêndice 1.

Técnica do Espaço Casuístico: Esta técnica foi concebida pelo autor em 2002, e permite análises estatísticas de casos, ao mesmo tempo em que preserva a individualidade de cada um deles, mediante a atribuição de três “coordenadas casuísticas”, associando cada ocorrência com um ponto, um locus bem definido em um espaço tri-dimensional imaginário conhecido como “espaço casuístico”. As três coordenadas são  a classificação da ocorrência (X), sua qualificação (Y), e seu grau de estranheza (Z). Ao conjunto formado pelas três coordenadas casuísticas de uma dada ocorrência denominamos “vetor casuístico”.

            Para o caso VASP-169, estimamos as coordenadas casuísticas (0.5;3;0) antes de qualquer investigação. À coordenada X poderia ser atribuído o valor 0 (FANI noturno distante fixo). Como Britto inicialmente faz alusão a alguns deslocamentos verticais da luz estranha, o valor 1 (FANI noturno distante móvel) também se aplicaria. Optamos pela média dos dois valores. O peso evidencial do caso seria então igual à soma das três coordenadas casuísticas (valor máximo possível 17-18), resultando igual a 3.5. Entretanto, como já acreditamos ter demonstrado às raias da exaustão, o caso está explicado, implicando que suas coordenadas casuísticas são (0;0;0). Por definição, casos explicados situam-se na origem do espaço casuístico. Na tabela 2 sumarizamos os resultados obtidos com as diferentes técnicas aplicadas acima.

            A conclusão geral é que, antes de ser esclarecido, o caso VASP-169 aparecia como uma ocorrência de baixa estranheza, razoável credibilidade, e  documentação regular.

UFOFILIA

            Denominamos ufofilia a tendência de uma pessoa em gostar de, e acreditar em fenômenos aéreos não identificados, sendo particularmente seduzida pela possibilidade de que eles possam ser explicados pela chamada “hipótese extraterrestre”, ou seja, a de que seriam espaçonaves tripuladas por seres alienígenas visitando regularmente a Terra (da Silva, in press).

            O pivô do caso VASP-169, nominalmente, o comandante Gérson Maciel de Britto, era seguramente “ufofílico”, o que fica evidenciado quando ele declara à mídia que havia tentado estabelecer um contato telepático com a suposta tripulação do objeto que o acompanhava. Em um depoimento gravado em vídeo em 1997, 15 anos após a ocorrência, Britto diz que, após o cruzamento da vertical de Belo Horizonte, já entusiasmado com a aparição que vinha testemunhando, tenta mentalizar uma mensagem pacífica de boas vindas, e em seguida alerta seus passageiros para que também possam assistir o fenômeno luminoso. Sabendo-se que o “objeto” volta a ser visto às 04:05, e que os passageiros são despertados por Britto em torno das 04:15, podemos concluir que a tal mensagem telepática haveria sido “transmitida” no intervalo de tempo entre 04:05 e 04:15.

            E a história não pára por aí. Segundo declarações dadas à equipe de reportagem do Jornal da Tarde, edição de 09 de Fevereiro de 1982, Britto já haveria avistado objetos voadores não identificados em nada menos de três oportunidades anteriores! A primeira fora durante um voo de Teresina para Fortaleza, em 1964. Depois, novamente em 1976, entre Campo Grande e São Paulo, quando haveria visualizado uma esfera metálica acima da sua aeronave, talvez a 4000 ou 5000 pés acima do seu nível de voo. De acordo com Britto, outra aeronave, um voo internacional da extinta empresa aérea VARIG, confirmara o avistamento (tratar-se-ia de um balão meteorológico?).

            A terceira ocorrência é mais interessante porque, segundo Britto, tinha sido “muito parecida” com o caso do VASP-169, em Governador Valadares, interior de Minas Gerais, numa noite em 1979. Neste caso, a pergunta que não quer calar, dada a alegada semelhança entre os dois incidentes, é se não se trataria, também, do planeta Vênus… Uma consulta ao Anuário Astronômico do Instituto de Astronomia e Geofísica da USP para o ano 1979 nos informa que, entre Janeiro 1 e Agosto 20, Vênus estava com visibilidade matutina, experimentando a conjunção solar superior em Agosto 25, às 9h (horário de Brasília). Depois disso, ele permaneceu praticamente invisível até próximo de Setembro 13, quando passou a brilhar no céu do anoitecer, ficando lá até o final do ano.  Infelizmente não conseguimos maiores detalhes sobre aquela ocorrência. Britto alegou , ainda, que depois daquelas três oportunidades, “acabou se transformando em um estudioso do assunto.

            Muitos anos depois, durante uma entrevista para um programa de TV em 1999, o piloto Mário Pravato, da tripulação do voo TRB-177, disse que sabia que “Britto era um estudioso de discos voadores.

O DIÂMETRO DO “OBJETO”

            Certamente um dos aspectos mais absurdos do caso do voo VASP-169 diz respeito à estimativa para o diâmetro do suposto objeto avistado no incidente. Segundo as declarações do comandante Britto, o OVNI seria do tamanho de “dois jumbos”… Estas declarações acabaram levando à “reconstituição” levada ao ar pela Rede Globo de Televisão, onde se vê uma elipse luminosa gigantesca flutuando ao lado das janelas do cockpit do avião, algo que, com toda a certeza, nunca se verificou, mas que acabou por contribuir para uma visão altamente distorcida do incidente, outro exemplo de efeito lente midiático.

            Um Boeing 747 típico possui um comprimento de fuselagem de 76.3 metros, e uma envergadura de asas de 68.5 metros. Assim, o diâmetro do objeto seria alguma coisa entre 137 m e 152.6m. Para chegar a estes números, Britto teria se baseado nas 8 milhas náuticas aferidas para a distância entre o VASP-169 e o presumido objeto não identificado medida pelo radar do CINDACTA. Mas só isso não basta!!!

            O diâmetro angular de Vênus naquela oportunidade era de 52.9 segundos de arco, ou seja, grosseiramente um minuto de arco. O poder de resolução médio do olho humano é usualmente referido como 1 minuto de arco a 3 minutos de arco (‘). Adotaremos (2 ± 1)’. Sendo assim, o suposto objeto estaria justamente no limite inferior do poder de resolução do olho humano normal, ficando muito problemático distinguir com segurança quaisquer formas. Ou seja, não passaria de um ponto de grande intensidade luminosa.

            Um minuto de arco corresponde a 0.0003 radianos. A uma distância de 8 milhas náuticas (14816 metros), deduzimos facilmente que um eventual diâmetro real para um objeto sólido seria da ordem de 4 metros.

            Se considerarmos, na fase da miragem óptica, nas cercanias do ponto A, uma extensão angular da ordem de 0.2 graus devida ao espalhamento da luz, e se admitirmos que se tratasse de um objeto voador sólido com aquela dimensão angular, mantendo sempre uma distância constante de 8 milhas náuticas da aeronave da VASP, seu diâmetro real teria que ser de aproximadamente 50 metros.

            Um objeto com o dobro das dimensões de um Boeing 747 visto de uma distância de 8 milhas naúticas apresentaria um diâmetro angular de meio grau, aproximadamente o diâmetro aparente da Lua cheia, correspondendo a 0.78 graus quadrados.

            Considerando que a janela lateral esquerda do cockpit no Boeing 727 seja aproximadamente quadrada, medindo cerca de 50 cm por 50 cm, e que esteja distante do piloto em cerca de 50 cm, os “dois Jumbos” ocupariam apenas 0.024% da área total da janela, o que dificilmente justificaria a expressão de um entusiasmado comandante Britto, descrevendo o objeto como “um perfil discoide imenso”…

            Na realidade, não existe nada que justifique a alegação de Britto segundo a qual o “objeto” possuiria as dimensões de “dois Jumbos”! Ele precisaria de uma estimativa do tamanho angular do fenômeno luminoso que estava vendo, combinada com a suposta distância de 8 milhas apontada pelo radar, para então calcular o eventual tamanho real do seu objeto voador. Lembramos, ademais, que o “contato” de radar reportado pelo CINDACTA provavelmente seria um eco anômalo do próprio VASP-169, em cujo caso, ficamos sem qualquer estimativa de distância razoável para fazer nossos cálculos, quer dizer, ficamos de mãos completamente vazias! A afirmativa de que o “objeto” seria do tamanho de “dois Jumbos” tem tanto significado quanto a alegação nunca comprovada de que dois policiais de Belo Horizonte em serviço naquela madrugada haveriam assistido o voo VASP-169 cruzar a vertical da cidade acompanhado por uma “esfera alaranjada” (lembramos que o OVNI de Britto era branco, ou branco-azulado! – como Vênus)… Então, ela não pode ser levada em conta, em qualquer estudo científico daquela ocorrência.

MAIS UMA IMAGEM!

            Visoni (2022b) sugeriu ao autor deste trabalho analisar também outra imagem, obtida por um passageiro do voo VASP-169 que não quis se identificar. Esta fotografia foi reproduzida em preto e branco em diversos jornais da época (e.g., Folha de São Paulo, em Fev. 11, 1982), e em cores na edição de Fevereiro 17, 1982 da revista VEJA, em sua página 50. Esta imagem colorida está reproduzida na Figura 8, abaixo. Juntamente com as fotos da passageira Lígia Auxiliadora Rodrigues, ela forma o único conjunto conhecido de imagens disponíveis para a análise do caso. As fotos da passageira Lígia Auxiliadora Rodrigues já foram analisadas e esclarecidas em nosso trabalho anterior (da Silva, 2022) e em nossa Oficina de Astronomia® 479, que está disponível no canal da Rede Omega Centauri no YouTube. Ela teria fotografado o reflexo das luzes de navegação situadas na extremidade da asa esquerda do avião, incidindo em nuvens muito próximas, rapidamente passantes. Veja-se a Figura 7. 

            A imagem da Fig. 8 mostra, à esquerda, uma fonte luminosa mais compacta e, à direita, sinais luminosos indistintos mais espalhados, e um pouco menos intensos. Visoni (2022b) sugeriu que talvez pudesse se tratar de Vênus (à esquerda) e sua miragem (à direita). Mas esta interpretação pode ser descartada, pois ambas as imagens estão situadas à mesma altura. Uma miragem superior de Vênus teria que aparecer acima da imagem do planeta, e não a seu lado (a menos que a imagem tenha sido reproduzida rotacionada de 90 graus, o que não é impossível…).

            Referindo-se a esta mesma imagem, o jornalista gaúcho Fernando G. Sampaio, especializado em divulgação científica, escreveu à época, no jornal Correio do Povo, edição de Fev. 14, 1982, página 49, que “A foto (…)mostra duas luminosidades. Uma é claramente um foco luminoso, no lado direito do clichê [no jornal, a imagem foi publicada espelhada, isto é, trocando a direita pela esquerda] com tamanho que sugere Vênus, quando nascendo no horizonte e sendo ampliado por pequenos cristais de gelo em suspensão na atmosfera ou, até mesmo, leve campo de cirros em formação. Já a luminosidade que se observa à esquerda, bem maior (…) não encontra explicação tão facilmente.”

Fig. 7 – A passageira Lígia Auxiliadora Rodrigues fotografou o reflexo das luzes de navegação situadas na extremidade da asa esquerda da aeronave em nuvens próximas rapidamente passantes.

            Em um vídeo disponibilizado no YouTube, P. Mauso e C. Suenaga afirmam, no preâmbulo, que esta fotografia provaria “claramente” que o OVNI do caso Vasp-169 não era Vênus, pois mostraria este planeta, à esquerda, e o OVNI à direita, próximos um ao outro, como teria que ser. E Visoni (2022b, comunicação particular), também baseado  nela,      sugeriu que nós poderíamos estar incorrendo em erro, ao não admitir que o comandante Britto pudesse estar vendo Vênus e sua miragem, confundida com um OVNI, simultaneamente. Quanto a este último aspecto, em particular, acreditamos que a reconstituição do voo realizada no presente texto parece demonstrar a ausência da necessidade de supor que Britto tenha visto mais de um “objeto” ao mesmo tempo. Além disso, a miragem haveria ocorrido no trecho ponto A – MOGOL, muito antes da etapa de tomada das fotos (trecho Belo Horizonte – Rio de Janeiro).

Fig. 8 – Imagem obtida por passageiro anônimo do voo VASP-169, e que supostamente revelaria o planeta Vênus e “mais alguma coisa”.

            A imagem da Fig. 8 não guarda qualquer semelhança com os desenhos elaborados pelo comandante Britto, nem com as fotos obtidas pela passageira Lígia Auxiliadora Rodrigues. Veja a figura 10. Assim, estamos confrontados com coisas basicamente diferentes em cada uma delas! Nossa primeira impressão foi  que poderia se tratar de uma imagem de Vênus (à esquerda), tendo embaixo dela uma pequena reflexão do próprio planeta, como acontece às vezes no nascer ou por do Sol, um fenômeno atmosférico conhecido como “sub-Sol”, ou pelo apelido de “Sol Ômega”. À direita estaríamos observando prováveis múltiplas reflexões de Vênus em diferentes camadas da janela do avião, conforme a Fig. 9.

            Contudo, a melhor interpretação para a imagem da Fig. 8 é  que ela retrata, simplesmente, a luz do arco   crespuscular   primário       (claridade inicial do amanhecer, ou aurora), visível através de orifícios na camada de nuvens, provavelmente do tipo Stratocumulus, frequentemente relacionados com frentes frias. A coloração de todas as manchas luminosas, tanto à esquerda quanto à direita, é essencialmente a mesma,  coincidindo com a cor normalmente observada próxima à linha do horizonte, durante a transição entre o crepúsculo astronômico e o crepúsculo náutico. Portanto, as luzes à esquerda e à direita na imagem da figura 8 são partes de uma mesma coisa.

Fig. 9 – Primeira hipótese (descartada!) aventada pelo autor para a interpretação da imagem da Fig. 8.

            Aliás, o astrônomo carioca Ronaldo Rogério de Freitas Mourão (1935 – 2014), ao referir-se provavelmente a esta mesma imagem, quando entrevistado pela reportagem da revista VEJA, declarou que poderia tratar-se da claridade do amanhecer “refletida por uma nuvem“.

            Em nossa interpretação, não se trata de um fenômeno de reflexão luminosa, mas sim do simples registro da claridade do início do amanhecer, por entre as nuvens que havia na região. Veja a Figura 11.

            Na tabela 3, apresentamos os instantes calculados para as diferentes fases da aurora (astronômica, náutica, e civil) nas cidades de Belo Horizonte e no Rio de Janeiro em Fev. 08, 1982. Para o caso da capital mineira, são também fornecidos entre parênteses os instantes antecipados para aquelas fases, devidos à altitude da aeronave. Nota-se que, no trecho entre Belo Horizonte e Rio de Janeiro, a claridade do amanhecer já começava a se fazer perceptível. Naquele dia, o voo VASP-169 pousou no Rio de Janeiro exatamente uma hora antes do instante   do

Fig. 10 – Em cima à esquerda: imagem obtida por passageiro anônimo do episódio do voo VASP-169. Em cima à direita: uma das imagens obtidas pela passageira Lígia Auxiliadora Rodrigues. Embaixo à esquerda: desenhos feitos pelo comandante Britto.

nascer do Sol. Também naquele trecho, como já mencionamos anteriormente, a aeronave começou a reduzir a altitude, com vistas ao pouso no Rio de Janeiro, passando a mergulhar mais profundamente nas diferentes camadas de nuvens da frente fria que estava sobre a região.   Nas figuras 12a e 12b encontramos simulações preparadas pelo autor a partir de imagens obtidas por ele (da Silva, 2018) em uma aeronave voando acima de uma camada de Stratocumulus, pouco depois do instante do nascer do Sol. As imagens originais foram processadas com o software Adobe Photoshop, minimizando o brilho e maximizando o contraste, a fim de escurecer o  fundo e  simular  uma  camada de   nuvens

Figura 11 – Interpretação mais provável da imagem apresentada na Figura 8, conforme a discussão contida no texto.

opacas com orifícios, ainda projetada contra um firmamento razoavelmente escuro, como parece ter sido o caso da imagem anônima obtida durante o voo VASP-169. O mais provável é que aquela imagem tenha sido capturada entre Belo Horizonte e o Rio de Janeiro, durante a aurora náutica profunda, próxima ao final da aurora astronômica, com uma depressão solar ao redor de, talvez, -10o

            Agora, algumas considerações muito importantes. Quando se comparam as fotos dos passageiros e os desenhos do comandante Britto, é muito óbvio que cada um estava vendo uma coisa diferente! Os desenhos do comandante Britto retratam a observação e a evolução do aspecto óptico da miragem de Vênus conforme vistas por ele, em algum ponto do trecho entre Bom Jesus da Lapa (ponto A) e a posição MOGOL! Parece que nenhum passageiro assistiu esta etapa! A maioria provavelmente estava dormindo na ocasião.

            As fotos da passageira Lígia Auxiliadora Rodrigues mostram reflexos das luzes de navegação da asa esquerda da aeronave em nuvens próximas

IAA: Início da Aurora Astronômica; IAN: Início da Aurora Naútica; IAC: Início da Aurora Civil: NdS: Nascimento do Sol. Os minutos entre parênteses referem-se à antecipação dos horários, considerando uma depressão horizontal de 3 graus.

passantes. A foto do passageiro anônimo retrata a luz do início do crepúsculo matutino, através de furos em uma camada de nuvens…

            E quando se comparam as fotos obtidas pela passageira Lígia Auxiliadora Rodrigues  com a imagem anônima da Figura 8, vemos claramente que os passageiros, embora alertados pelo comandante Britto, não sabiam exatamente o que ver, ou fotografar. Acordados de surpresa no meio da noite, e olhando pelas janelas, que não possuíam boa transparência,  com a visão obliterada pela presença de nebulosidade intermitente, eles fizeram o melhor que podiam. Um obteve imagens dos reflexos das luzes de navegação da asa esquerda da aeronave em nuvens próximas rapidamente passantes. Outro, acabou fotografando a claridade do início do amanhecer através de pequenas falhas na camada de nuvens. Por vezes, Vênus (sem miragem) aparecia por entre a nebulosidade, variando de brilho e simulando deslocamentos de aproximação e afastamento, dando a impressão de estar por baixo das nuvens. Muitos tomaram a claridade do luar, quando não afetado pelas nuvens, ou o acender e apagar das luzes intensas de pouso e decolagem da aeronave, acionadas por Britto em suas tentativas de comunicação com o “objeto”, como efeitos da proximidade de um objeto voador não identificado. Enquanto isso, um comandante ufofílico e sua tripulação subordinada se confundiam no cockpit, julgando estar sendo seguidos por uma espaçonave extraterrestre. Se o “objeto” fosse tão grande e brilhante como descrevia o comandante Britto em seus comentários, é de se esperar que todas as câmeras disponíveis na cabine de passageiros tivessem sido apontadas inexoravelmente para o mesmo alvo. E não foi isso que aconteceu, sugerindo fortemente que do lado de fora do avião não existia nada de absolutamente extraordinário para se ver!

CONCLUSÃO

            A partir de todas as investigações sérias realizadas sobre o caso, parece não restar dúvidas de que o incidente do voo VASP-169 resultou de uma simples  observação equivocada do  planeta  Vênus por parte de   um piloto com tendências ufofílicas, inicialmente surpreendido por um efeito de miragem atmosférica superior,  que acabou mobilizando amplamente a mídia, autoridades militares e aeronáuticas, cientistas,  cidadãos e a opinião pública em geral. A tabela 4 resume todas as principais etapas do voo VASP-169 de 8 de Fevereiro de 1982, no trecho Fortaleza – Rio de Janeiro, conforme as discussões contidas no texto.

            De acordo com Martins (2011), a análise das conversas de rádio do comandante Britto com o CINDACTA nos dias posteriores ao incidente, quando fazia novamente a mesma rota do dia 8, revelam um comandante emocionalmente muito impactado pelo acontecimento, indagando constantemente sobre luzes que surgiam na sua rota, logo depois conseguindo identificá-las como outras aeronaves, e com o próprio planeta Vênus. Alguma coisa diferente deve ter acontecido na madrugada do dia 8, que o deixou confuso e incapaz de reconhecer a “Estrela d’alva”. Sugerimos que uma miragem superior de Vênus na altura de Bom Jesus da Lapa (ponto A), antecipando o surgimento normal do planeta e distorcendo seu aspecto usual, o tenha deixado perturbado. Em seguida, a

Principais etapas do voo VASP-169 entre a capital cearense e a cidade do Rio de Janeiro em Fev. 08, 1982, conforme a reconstituição realizada no presente trabalho.

interposição de nebulosidade devido à existência de uma frente fria, interrompe por algum tempo a observação. Quando ela se torna possível novamente, entre nuvens, entre 03:45 e 04 horas da madrugada, entre a posição MOGOL e a vertical da cidade de Belo Horizonte, Vênus já havia nascido normalmente, e passa a ser tomado como a persistência do suposto objeto “misterioso” que havia sido visto minutos atrás. Se o tempo estivesse claro sobre a parte sul do território baiano e sobre o norte do estado de Minas Gerais, provavelmente o desaparecimento da miragem teria sido visto, seguido alguns minutos depois pelo nascimento normal de Vênus, quando do cruzamento da aeronave pelo fixo MOGOL. Mas a nebulosidade presente parece ter impedido tal observação.

Figuras 12a,b – Simulações preparadas pelo autor a partir de duas imagens obtidas por ele a bordo de uma aeronave voando próxima a 35000 pés, logo após o raiar do dia, onde se observam os primeiros raios de Sol perfurando por trás uma camada de nuvens do tipo Stratocumulus. Adaptado de da Silva, 2018, A Personal Atlas of Clouds and Atmospheric Optics, Rede Omega Centauri, Porto Alegre, 2018.

            O comandante Britto podia ser ufofílico, mas decididamente não era um embusteiro. Sem dúvida era honesto, e muito competente em sua atividade profissional. Acreditava mesmo ter sido seguido de perto por um objeto voador não identificado. É provável que seu conhecimento limitado acerca da fenomenologia das miragens, combinado com sua ufofilia, o tenham levado a cometer um engano de interpretação. Todo mundo erra. E o engano do comandante Britto em nenhum momento pôs em risco a segurança dos seus passageiros, ou da aeronave que pilotava. Muito menos serve de motivo para se por em dúvida sua excelente reputação.

            Ninguém, na época do ocorrido, seria capaz de apostar que o caso se tornaria um marco de referência dentro da casuística ufológica brasileira e que, 40 anos depois, ainda seria apontado como de importância especial, inclusive mencionado com destaque, e muitas incorreções, em recente sessão especial do senado brasileiro… Sem dúvida, para isso muito contribuíram jornalistas, comentaristas e estudiosos mal capacitados por um lado e, por outro, cientistas profissionais qualificados mas que, infelizmente, mesmo cientes do crescimento do mito, se omitiram da tarefa de procurar esclarecê-lo, esmiuçando exaustivamente seus  mínimos detalhes, como acreditamos ter feito, com a publicação deste, e dos dois outros artigos de nossa autoria referenciados abaixo (da Silva, 2013, 2022). Se o incidente do voo VASP-169 tivesse ocorrido na era dos smartphones, certamente teríamos em mãos mais de uma centena de registros independentes de vídeos e imagens, o que com certeza permitiria esclarecer rapidamente o caso, encerrando polêmicas e relegando  a ocorrência ao esquecimento.

            Mas não foi assim e, por mais que se esclareçam os fatos, a lenda continuará existindo, atiçando debates acirrados e alimentando uma legião de inconformados, pois o que não falta são ufólogos despreparados, apegados a ideias pré-concebidas, e que dispensam, além do emprego rigoroso do método científico, algumas vezes a própria honestidade, investigando ocorrências complexas de maneira incompleta, superficial, e até irresponsável. Descarte Vênus, e você terá uma nave extraterrestre… Como assinalamos na Oficina de Astronomia® 455, disponível no canal da Rede Omega Centauri no YouTube, onde analisamos o famosíssimo caso Kenneth Arnold, agindo assim estaremos incorrendo numa falácia filosófica conhecida como arguição a partir do desconhecido, onde se procura extrair conclusões seguras  partindo de uma total falta de conhecimento, uma estratégia, sem dúvida nenhuma, muito arriscada.

            Acreditamos que o caso VASP-169 esteja perfeitamente esclarecido em todos os seus detalhes relevantes. Nossas análises (da Silva, 2013, 2022 e mais o presente trabalho) contemplam todos os aspectos da ocorrência, dissecando-os em profundidade, e demonstrando, ao mesmo tempo, que preferir explicá-lo com base na chamada hipótese extraterrestre não é, nem remotamente, uma opção razoável.

Agradecimentos. Salientamos, mais uma vez e com gratidão, a participação do  colega Rodrigo de Moura Visoni, da Rede Omega Centauri no Rio de Janeiro, com suas sugestões, críticas, empenho e informações valiosas proporcionadas, as quais serviram de motivação e foram vitais para a conduta da presente investigação. Agradecemos também a O. Balioni Jr., do canal AlamoGordo, do YouTube, por nos ter proporcionado diversas cartas aeronáuticas cobrindo a rota do voo VASP-169, além de alguns detalhes adicionais sobre a rota do avião. Todas as análises  do caso VASP-169 realizadas pelo autor contaram também com o apoio do Núcleo AIFI (Associação para Investigação de Fenômenos Incomuns) da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica.

Curiosidade. De acordo com o site culturaaeronautica.blogspot.com, a aeronave protagonista do voo VASP-169 na madrugada de 08 de Fevereiro de 1982, o Boeing 727-200 prefixo PP-SNG, foi comprada nova e teve seu primeiro voo em 07/Out/1980, sendo entregue à VASP no dia 16 daquele mesmo mês. Depois, entre 1984 e 1985, foi arrendada para a empresa Capitol Air. Em 22/Mar/1989 foi para a Alaska Airlines, recebendo o prefixo N327AS. Em Janeiro de 1994 é transferida para a Sun Country Airlines, alterando a matrícula para N287SC, e depois para a American Trans Air, aos 22/Nov de 1999. Em Abril de 2000 é convertida para aeronave de carga. Foi vendida para a empresa panamenha Uniworld Air Cargo em 24/Abr/2017, mudando o registro para HP-1937UCG. Em Outubro de 2018, aparentemente ainda permanecia em serviço (veja a Figura 13)!

Fig. 13 – O Boeing 727-200, ex-PP-SNG, protagonista do caso VASP-169, fotografado ainda em operação como avião cargueiro no Panamá, em agosto de 2018. Crédito da imagem: Jetphotos/culturaaeronautica.blogspot.com
Fig. 14 – A mesma aeronave, como se parecia na época do caso VASP-169. Crédito da imagem: culturaaeronautica.blogspot.com

REFERÊNCIAS

– Balioni Jr., O., (2022). Comunicação endereçada ao autor;

– Ballester Olmos, V.-J., (2000). Weight: A Measurement for UFO Cases, PDF disponível em www.academia.edu;

– Ballester Olmos, V.-J., Guasp, M., (1981),  Los OVNIS y la Ciencia, Plaza & Janes, S. A., Barcelona p. 117-135;

– Ballester  Olmos, V.-J., Guasp, M., (1988), in The Spectrum of UFO Research, Mimi Hynek (editor), J. Allen Hynek Center for UFO Studies, Chicago, p. 175-182;

– Bishop, R., (2014). Observer’s Handbook, David M. F. Chapman, editor, The Royal Astronomical Society of Canada, Toronto;

– da Silva, L. A. L., (2013). Journal of Scientific Exploration, 27, 637;

– da Silva, L. A. L., (2018). A Personal Atlas of Clouds and Atmospheric Optics, Rede Omega Centauri, Porto Alegre;

– da Silva, L. A. L., (2022). http://www.redeomegacentauri.org/portal ciência & cosmos/artigos/Caso VASP-169: A Persistência de um Mito;

– da Silva, in press.  Some considerations about the behavior and reliability of UAP eyewitnesses, in The Reliability of UFO Witness Testimony, Vicente-Juan Ballester Olmos & Richard W. Heiden, editores;

– da Silva, L. A. L., Kemper, E., Hoffmann Netto, M., (2021). “Luzes Estranhas e Círculos na Areia Observados em Junho, 2020, no Litoral Sul do Brasil,” Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica, Núcleo AIFI, Laudo Técnico 01-2021, Ref. ωκ-TA-2021.01, Porto Alegre, Brasil, 49 p.;

– Greenler, R. G., (1987). Journal of the Optical Society of America A, 4, (3), 589;

– Lehn, W. H., (2003). Applied Optics, 42, 390;

– Lehn, W. H., Legal, T. L., (1998). Applied Optics, 37, 1489;

– Martins, R., (2011). http://www.ufologiaobjetiva.com.br/Vasp-169/

– Sampaio, F. G., (1982). Jornal Correio do Povo, 14/Fev/1982, p. 49

– Sharma, A., (2016). https://marinegyann.com

– Visoni, R. M., (2022a). Revista OVNI Pesquisa, 12, (5), 14;

– Visoni, R. M., (2022b). Comunicação particular.

– Young, A. T. (2020). http://www.aty.sdsu.edu/mirages.

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* O autor é astrônomo e presidente do Conselho Curador da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica.

APÊNDICE 1

Índices de Estranheza e Probabilidade de Hynek

Foram propostospor J. A. Hynek em 1972. Eledividiu os avistamentos de FANIs em duas classes: I (o fenômeno está longe do observador) e II (perto).

A classe I foi subdividida em Luzes Noturnas, Discos Diurnos, e Radar-Visual.

A classe II foi subdividida em:

  • Contatos Imediatos de Primeiro Grau: quando o FANI é visto próximo mas sem interação com o ambiente;
    • Contatos Imediatos de Segundo Grau: o FANI produz efeitos físicos em material inanimado ou animado nas suas cercanias;
    • Contatos Imediatos de Terceiro Grau: Há relatos da presença de tripulantes.

Além desta classificação, Hynek sugeriu uma escala de estranheza e probabilidade. A escala de estranheza avalia os aspectos de uma ocorrência que não se encaixam em explicações mais convencionais. Usa-se uma escala de 1 a 10.A escala de probabilidade é altamente subjetiva, e depende da credibilidade e convicção das testemunhas, da consistência geral do relato, etc. Também mede-se de 1 a 10. Um dado evento pode ser associado a um ponto específico no plano estranheza x probabilidade.

Classificação de Vallée

Classifica os avistamentos de FANIs em cinco categorias:

Tipo – I (a,b,c,d)

Observação de um objeto incomum, esférico, discoidal, ou de forma mais complexa, no solo ou próximo a ele (não mais alto que a altura das árvores), que pode estar associado com traços – efeitos físicos de ordem térmica, luminosa ou mecânica.

a – No solo, ou próximo a ele
b – Próximo, ou sobre um corpo de água
c – Ocupantes mostrando interesse nas testemunhas mediante gestos ou sinais luminosos
d – Escoltando um veículo terrestre

Tipo – II (a,b,c)

Observação de um objeto incomum com formação cilíndrica vertical no céu, associado com uma nuvem difusa. A este fenômeno têm sido dados vários nomes, tais como “nuvem-cigarro”, ou “nuvem esfera”

a – Movendo-se erraticamente através do céu

b – Objeto estacionário, que dá origem a objetos secundários
c – Objeto acompanhado por objetos secundários

Tipo – III (a,b,c,d,e)

Observação de um objeto incomum, de forma discoidal ou elíptica, estacionário no céu

a – Flutuando entre dois períodos de movimento, com descida de “folha morta”, para cima e para baixo, ou movimento pendular

b – Interrupção de voo contínuo para manter-se flutuando, e então reassumir o movimento

c – Altera a aparência enquanto paira, isto é, muda de luminosidade, gera objetos secundários, etc

d – “Brigas de Cachorros”, ou aglomerações entre vários objetos

e – Trajetória alterada durante voo contínuo, passando a voar lentamente acima de uma certa área, circular, ou simplesmente mudando de curso

Tipo IV (a,b,c,d)

Observação de um objeto incomum em voo contínuo

a – Voo contínuo
b – Trajetória afetada por aeronaves convencionais próximas

c – Voo em formação
d – Trajetória ondulatória, ou em zigue-zague

Tipo V (a,b,c)

Observação de um objeto incomum de aparência menos definida, parecendo não completamente material ou  de estrutura sólida

a – Diâmetro aparente extenso, objetos luminosos não puntiformes

b – Objetos semelhantes aestrelas, sem movimento por períodos extensos
c – Objetos semelhantes a estrelas cruzando o céu rapidamente, possivelmente com trajetórias peculiares

Escala de Estranheza e Credibilidade de Berliner

Berliner sugeriu um “Coeficiente de Avistamento”, calculado pelo produto do índice de estranheza pelo índice de probabilidade (ambos de Hynek). Este coeficiente variaria desde 0 até 100.

Também propôs uma escala de estranheza e credibilidade:

ESTRANHEZA

0: Objeto ou fenômeno identificado;

1: Luz Noturna, sem objeto aparente;

2: Objeto noturno;

3: Objeto diurno visto à distância;

4: Contato Imediato de Primeiro Grau Noturno;

5: Contato Imediato de Primeiro Grau Diurno;

6: Contato Imediato de Segundo Grau duvidoso;

7: Contato Imediato de Segundo Grau não duvidoso;

8: Contato Imediato de Terceiro Grau

9: Contato Imediato de Terceiro Grau com reação dos tripulantes à presença da testemunha;

10: Contato Imediato de Terceiro Grau com comunicação significativa.

CREDIBILIDADE:

0: Testemunhas carecem de credibilidade;

1: Testemunha média única;

2: Múltiplas testemunhas médias;

3: Testemunha única excepcional;

4: Múltiplas testemunhas excepcionais;

5: Radar/visual;

6: Fotos amadoras;

7: Fotos profissionais;

8: Filmes ou vídeos amadores;

9: Filmes ou vídeos profissionais;

      10: TV ao vivo.

Fatores de Estranheza e Probabilidade de Speiser

Propostos por Speiser, em 1987.

FATOR DE ESTRANHEZA:

S1: Explicável, ou Explicado;

S2: Provavelmente explicável com mais dados;

S3: Possivelmente explicável, mas com elementos de estranheza;

S4: Estranho, não se encaixa nos princípios conhecidos;

S5: Altamente estranho, sugere condução inteligente.

FATOR DE PROBABILIDADE:

Relaciona-se com a credibilidade, o número e a separação das testemunhas, e/ou com a repercussão das evidências.

P1: Sem credibilidade ou repercussão;

P2: Não confiável; suspeitas de embuste;

P3: Algo confiável, ou indeterminado;

P4: Com credibilidade e repercussão;

P5: Altamente confiável, quase sem deixar dúvidas.

Classificação de Poher

Poher sugeriu um sistema diferente em ordem a reduzir a subjetividade na escala de estranheza e probabilidade de Hynek.Segundo Poher, a credibilidade está relacionada com as testemunhas, enquanto a estranheza diz respeito aos fatos observados.

O critério de credibilidade é muito similar ao da escala de Speiser:

0: Absolutamente sem credibilidade;

1: Muito pouca credibilidade;

2: Pouca credibilidade;

3: Evento com credibilidade;

4: Muita credibilidade;

                  5: Credibilidade excepcional.

Poher considera 4 aspectos:

Peso relativo do número de testemunhas: 31%

Peso relativo da idade da testemunha principal: 7%

Peso relativo da condição sócio-profissional da testemunha principal: 31%

Peso relativo do método de observação: 31%.

A credibilidade vai ser dada por:

(31 x Valor 1) + (7 x Valor 2) + (31 x Valor 3) + (31 x Valor 4) / 100

Valor 1: Número de Testemunhas

0: Se o número é desconhecido;

1: Uma testemunha;

2: Duas testemunhas;

3: Três a 9 testemunhas;

4: 10 a 100 testemunhas;

5: Mais de 100 testemunhas.

Raramente o número de testemunhas é superior a 5…

Valor 2: Idade da testemunha principal

0: Idade desconhecida;

1: Menos de 13 anos;

 2: Não usada (?!)

 3: De 14 a 20 anos;

 4: Mais de 60 anos;

 5: De 21 a 59 anos.

Valor 3: Condição Sócio-Profissional da Testemunha Principal:

0: Desconhecida;

1: Em idade escolar, e pastores;

2: Trabalhadores e fazendeiros;

3: Técnicos, policiais, pessoal militar qualificado;

4: Engenheiros, funcionários;

5: Pilotos, pesquisadores, astrônomos.

  Valor 4: Método de Observação

0: Sem informações, ou observações a olho-nu sem indicação de distância;

1: Olho-nu com mais de 3 km de distância;

2:Olho-nu com 1 a 3 km de distância, ou desde um avião com mais de 1 km de distância;

3: Observação de radar, ou olho-nu com 200 a 1000 m de distância;

4: Binóculos, ou binóculo+radar, ou desde um avião a menos de 1000m de distância, ou a olho-nu com menos de 150 m de distância;

5: Observação com telescópio, ou com uma fotografia, ou com binóculo + foto, ou olho-nu a menos de 50 m de distância.

CRITÉRIO DE ESTRANHEZA DE POHER:

0: Não de todo estranho, ou informações insuficientes;

1: Levemente estranho, o objeto é um ponto movendo-se em linha reta com velocidade angular constante;

2: Regularmente estranho, objeto de pequena dimensão angular mas com trajetória anormal;

3: Estranho, trajetória complexa, pousando ou quase pousando sem traços, desaparecimento súbito em vôo;

4: Muito estranho, pousando com traços;

5: Particularmente estranho, pouso acompanhado da observação de tripulantes.

Sistema de Ballester-Guasp

É considerado o mais detalhado método de classificação quantitativa de reportes de FANIs elaborado até hoje, tendo sido proposto por Ballester e Guasp (1981, 1988).

Propõe o cálculo de um escore geral para uma dada ocorrência, obtido pela multiplicação de 3 fatores numéricos (que variam de 0 até 1), e que representam o grau de certeza de que um reporte efetivamente está associado a um evento anômalo, e que aconteceu conforme relatado.

FATOR 1: Quantidade e qualidade dos dados;

FATOR 2: Anormalidade (estranheza) inerente ao evento;

FATOR 3: Credibilidade do relato, baseado na confiabilidade, maturidade, e circunstâncias das testemunhas entrevistadas.

FATOR1

Investigação Direta (no local, entrevistas pessoais, ou por telefone): De 1.0 a 0.6

Investigação Indireta (questionários, cartas): De 0.7 a 0.5

Outras Investigações (veículos da mídia, narrativas de terceiros, etc): De 0.4 a 0.0

FATOR 2:

Obtém-se somando-se os números abaixo, conforme cada caso, e dividindo-se a soma por 7.

1:Aparência anômala (a forma ou as dimensões do objeto não se correlacionam com as de nenhuma aeronave identificável)

2: Movimentos anômalos

3: Incongruências físico-espaciais (exs.: desaparecimento súbito, ou fusão de dois ou mais objetos)

4: Detecção Tecnológica (radar, instrumentos ópticos, filmes)

5: Contato imediato (distância inferior a 500 pés)

6: Presença de seres associados com o FANI

7: Existência de vestígios ou produção de efeitos.

FATOR 3:

Seu cálculo é mais complexo. Existem 6 categorias de credibilidade, e cada uma tem um peso. Seleciona-se em cada categoria o número mais adequado e multiplica-se pelo peso correspondente da categoria. Por fim, somam-se todos os resultados.

Número de Testemunhas: peso 0.25

0.0 nenhuma

0.3 uma

0.5 duas

0.7 três a cinco (“várias”)

0.9 seis a dez

1.0 mais de dez testemunhas

Ocupação das Testemunhas: peso 0.2

0.0 não especificado

0.3 estudantes

0.5 trabalhadores, fazendeiros, donas de casa;

0.6 estudantes universitários

0.7 comerciantes, executivos, empregados e artistas;

0.9 técnicos, policiais e pilotos

1.0 universitários graduados e pessoal militar

Relações entre as Testemunhas: peso 0.15

0.0 Desconhecido

0.3 amigos

0.6 laços familiares, também testemunha solitária

0.8 relacionamento profissional

1.0 sem relações

Relação Geográfica entre as Testemunhas: peso 0.15

0.0 desconhecido

0.5 juntas, também aplicável a uma só testemunha

1.0 independentes (separadas)

Atividade na Hora do Avistamento: peso 0.15

0.0 não especificado

0.3 atividade recreativa

0.6 em viagem

0.8 atividade cultural ou intelectual

1.0 trabalhando (ou indo ou vindo do trabalho)

Idade das Testemunhas: peso 0.1

0.0 desconhecido

0.2 menos de 10 anos ou mais de 75 anos

0.4 entre 10 e 17 anos

0.6 entre 18 e 34 anos

0.8 entre 65 e 74 anos

1.0 entre 35 e 64 anos

O Índice de Certeza de Ballester-Guasp é obtido multiplicando-se os 3 fatores.

Sistema Simplificado Ballester-Crivillén: Este sistema foi proposto por Ballester-Olmos (2000), e determina um peso evidencial entre 0 e 4 para uma dada ocorrência anômala, contrapondo estranheza versus quantidade de documentação. Estranheza e documentação são avaliados numa escala de 0 a 2. O peso é encontrado somando-se os valores atribuídos à estranheza e à documentação.

O Espaço Casuístico

            Foi concebido pelo autor em  2002. Permite análises estatísticas de casos, preservando ao mesmo tempo a individualidade de cada um deles, mediante a atribuição de 3 “coordenadas casuísticas”, que permitem associar cada caso com um ponto, num locus bem definido de um espaço tridimensional imaginário conhecido como Espaço Casuístico.

As coordenadas casuísticas são:

X = classificação da ocorrência

Y = qualificação da ocorrência

Z = grau de estranheza da ocorrência

Elas permitem definir o “vetor casuístico” que liga a origem do espaço casuístico com o locus do respectivo ponto no espaço.

Classificação da Ocorrência:

0: FANIs noturnos distantes fixos (luzes distantes imóveis)

1: FANIs noturnos distantes móveis (luzes distantes móveis)

2: FANIs diurnos distantes fixos

3: FANIs diurnos distantes móveis

4: FANIs vistos claramente próximos no ar (diurnos ou noturnos)

5: FANIs claramente vistos no solo (ou próximos ao solo) sem vestígios;

6: FANIs claramente vistos no solo (ou próximos ao solo) com vestígios;

7: FANIs multievidentes (e.g., com registros visuais e fotográficos; visual-fotográfico-filmado; visual-fotográfico-filmado-radar; visual-fotográfico-filmado-radar e com vestígios; ou com presença de efeitos sônicos;

                  8: FANIs com avistamento de “tripulantes”.

Qualificação da Ocorrência:

      Seu valor é encontrado a partir de uma análise crítica detalhada das evidências e das características gerais disponíveis, a partir de relatos e eventuais provas documentais e vestígios, numa base cumulativa, baseada na avaliação de seis elementos básicos (cada um com valor 1):

  • Presença de vestígios
    • Grau de qualificação técnica das testemunhas
    • Imparcialidade e confiabilidade das testemunhas (incluindo quaisquer pré-disposições eventuais de natureza mística, bem como sintomas de ufofilia ou ufopatia)
    • Coerência e qualidade das informações reportadas
    • Natureza e qualidade dos registros disponíveis (descrições verbais, desenhos, fotos, vídeos, ecos de radar, …)

Grau de Estranheza da Ocorrência:

      Seu valor é estimado a partir de uma análise crítica subjetiva da integralidade do caso. A escala só admite números inteiros:

  • 0 Evento pouco estranho;
    • 1 Evento estranho;
    • 2 Evento muito estranho;
    • 3 Evento bizarro;
    • 4 Evento muito bizarro.

No espaço casuístico, um evento explicado possui coordenadas (0,0,0) isto é, localiza-se na origem. O melhor caso inexplicado (que, ainda assim, por si só, não provaria a hipótese extraterrestre dos UFOs!…) teria coordenadas casuísticas (7-8;6;4).

      Pode-se ainda definir o “valor casuístico” (VC) como a soma das 3 coordenadas casuísticas (X+Y+Z), sendo que este número, quanto maior for, mais peso evidencial acrescenta a uma dada ocorrência.

      Nenhum caso, mesmo os mais famosos e bem documentados, se aproxima muito do locus do evento ideal no espaço casuístico, o que demonstra mais uma vez o peso evidencial fraco da hipótese extraterrestre para os FANIs.

Alguns exemplos:

Kenneth Arnold: (3,3,0)   VC = 6

Mantell: (4,4,1)   VC = 9

Socorro: (8,3,2)   VC = 13 (antes de ser esclarecido!) Suas coordenadas casuísticas atuais são (0;0;0), e seu VC = 0.

Caso Ideal (Inexistente, até agora): (7-8;6;4)  VC = 17 ou 18

Conclusão

            Em que pese os diversos sistemas quantitativos revisados neste apêndice, o subjetivismo persiste na análise e na avaliação das ocorrências de avistamentos de FANIs.Também é importante ressaltar que, os diferentes métodos aqui expostos concordam todos na atribuição de baixos valores evidenciais, ou seja, até o momento não existe, no universo casuístico dos FANIs, apesar de várias décadas e milhões de casos reportados, quaisquer evidências significativas que fossem capazes de chamar seriamente a atenção da comunidade científica em geral. Nos dias de hoje, mesmo filmes e imagens não constituem evidências com mais valor que simples relatórios verbais, dada a grande facilidade de manipulação digital de imagens disponível na atualidade.

            Por fim, ainda que tivéssemos um único caso com alta qualificação numérica semi-objetiva, isto por si só não corroboraria, em hipótese alguma, a origem extraterrestre dos FANIs.