Opinião

FEBRE DO OURO

Luiz Augusto L. da Silva *

            Façamos uma consulta à tabela periódica. O elemento com número atômico Z = 79 chama-se ouro. O número atômico é o número de prótons que existem no núcleo de um átomo. Em condições normais, o ouro apresenta-se como um metal macio, maleável, de cor amarelo vivo, com ponto de fusão de 1064o C. Seu único isótopo estável possui número de massa A = 197. Isótopos são átomos de um mesmo elemento químico que diferem quanto ao número de nêutrons em seus núcleos. O número de massa representa o número total de prótons mais nêutrons existentes no núcleo de um átomo. Portanto, em um núcleo de átomo de ouro estão presentes 118 nêutrons. No estado de neutralidade elétrica, devemos ter 79 elétrons distribuídos nos níveis e subníveis de energia da eletrosfera, região ao redor do núcleo de um átomo onde orbitam os elétrons. Existem 18 radio-isótopos instáveis do ouro, sendo o ouro-195 o que possui meia vida mais longa (186 dias).

            O ouro possui algumas aplicações tecnológicas, por exemplo, na fabricação de catalisadores, pigmentos, e películas refletoras de radiação infravermelha. Também é usado em dispositivos eletrônicos.

            O ouro é apenas um de uma longa lista de elementos químicos pesados produzidos durante as condições físicas extremas reinantes por apenas alguns segundos nas explosões terminais de supernovas que acontecem pelo Universo a fora e que, depois, acabam arremessados para o meio interestelar. Ou seja, o ouro é um refugo derivado de reações nucleares de captura rápida de nêutrons por núcleos de ferro, apenas mais um tipo de cocô estelar, com o perdão da linguagem chula… Colisões de estrelas de nêutrons também podem produzir enormes quantidades de ouro, disseminando-o pelo espaço. Uma diarreia, de novo!

Mercúrio

            De volta à tabela periódica, vamos olhar o próximo elemento químico em ordem crescente de número atômico: o mercúrio. Ele possui número atômico Z = 80, e apresenta nada menos que 7 isótopos estáveis de ocorrência natural, cujos números de massa variam desde 196 até 204. Portanto, as diferenças entre um átomo neutro de mercúrio e um átomo neutro de ouro são apenas um próton a mais no núcleo, um elétron a mais na eletrosfera, e um número de nêutrons no núcleo que pode variar entre 116 (no caso do isótopo mais leve) e 124 (no caso do isótopo mais pesado), em média apenas um punhado de nêutrons a mais ou a menos que em um núcleo de átomo de ouro. Enquanto o ouro apresenta-se no estado sólido em condições ambientais normais, o mercúrio é o único metal que se apresenta líquido, porque seu ponto de fusão é de -38.83o C.

Ligas

            O Homo “sapiens” descobriu que o mercúrio adere ao ouro, formando um amálgama. Assim, os garimpeiros recorrem ao uso do mercúrio para facilitar a extração do ouro a partir das rochas, ou da areia. Aquecendo-se a mistura depois, o mercúrio evapora, restando o ouro.

            Também descobriu que uma mistura de 75% de ouro com 25% de outros metais, como a prata, o cobre, o zinco, o níquel e o cádmio, produz uma liga metálica mais brilhante e durável, excelente para a confecção de joias, bem ao gosto da sua admiração ignóbil por coisas que brilham, mas que não possuem nenhum valor real.

Sol

            O Sol é uma estrela de tipo espectral G2V, o que quer dizer uma estrela anã com temperatura superficial da ordem de 6000o K,  de cor amarela. Como o ouro. Todas as civilizações primitivas adoravam o Sol como deus maior, criador e fonte de toda a vida.

            O símbolo químico do ouro é Au. Deriva de aurum, que em latim quer dizer aurora brilhante. A relação do ouro com o Sol é escancarada! À luz da ignorância, ela faz muito sentido. Mas uma mente esclarecida perceberá que se trata apenas de uma coincidência natural, totalmente desprovida de significado. Entretanto, em seu primitivismo, os “sapiens” continuam fascinados por ela. Até hoje buscam ouro com sofreguidão, seja nas minas mais profundas, como na África do Sul, seja em meio às águas de rios amazônicos remotos, dentre outros recantos do planeta.

            Uma vez obtido, o ouro puro é comercializado em barras ou na forma de joias, sendo mantido trancafiado a sete chaves dentro de cofres robustos. Querem demonstração maior de irracionalidade?

Yanomamis

            Enquanto procuram por ouro no extremo norte do Brasil, levas de garimpeiros ilegais amparados por autoridades corruptas e negligentes poluem os rios com mercúrio, provocando graves problemas de saúde nas populações indígenas ribeirinhas legitimamente residentes naquela região, sem falar dos danos à fauna e à flora. Centenas de pessoas já morreram por envenenamento e doenças, inclusive crianças. Está na mídia. Quantos mais irão morrer?

            Ouro e joias são inúteis. Um ser educado racional lhes atribuiria nenhum valor. Entre um saco cheio de estrume e um saco cheio de ouro, preferiria o primeiro sem vacilar, pois aquele ainda poderia ser usado como fertilizante para a produção de alimentos, uma necessidade de valor real.

            E por falar em valor, quantas toneladas de ouro pagam o preço de uma vida humana, seja ela yanomami ou não?

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* Astrônomo, presidente do conselho curador da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica.

www.luizaugustoldasilva.com

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20230210

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