Opinião

XEQUE MATE! PERDEMOS…

Luiz Augusto L. da Silva *

Só uma inversão no processo de demolição
das paisagens pode inverter a corrida para
calamidades sempre maiores.

José Lutzenberger (1926 – 2002) in Manual de Ecologia – Do Jardim ao Poder , L&PM Editores, Porto Alegre, 1974.

            Sim, perdemos. É triste, mas é verdade. Quiséramos que não fosse. Não se trata de negativismo excessivo decorrente de um quadro de depressão patológica, mas da realidade inquestionável, respaldada por dados científicos objetivos, e que não podem ser ignorados nem desprezados por ninguém de sã consciência. Não há motivo nenhum para comemorações. Muito pelo contrário.

            Só existe uma certeza: a cada dia, vai ficar pior. A única porta de saída fechou há muito tempo. Por mais força que fizermos, não conseguiremos abri-la. A rolha no gargalo é robusta demais. E o ar está acabando.

            São muitas as ameaças possíveis. Combinando toda essa pluralidade de tragédias em potencial com a fragilidade e a complexidade da nossa civilização global totalmente interdependente dela mesma, a sentença coletiva de morte fica garantida. É só uma questão de tempo. Pouco tempo, até vir a ser consumada. E como nas antigas e cruéis sentenças de morte praticadas pelo império romano, o fim não virá sem ser precedido de muito, muito sofrimento. O criminoso condenado deve experimentar suplício extremo, antes do golpe fatal que lhe trará o alívio derradeiro imerecido. Já começou.

Ondas de Calor

            Cada vez mais vamos experimentar períodos de calor extremo. O último verão europeu mostrou isso. Não foi o primeiro. A região mediterrânea padeceu com temperaturas beirando os 50o C (à sombra!). Além dos riscos extremos para a saúde, elas acarretaram mortes e incêndios devastadores, como aqueles registrados na Grécia, na Espanha, e em Portugal. O problema dos incêndios é que eles acabam com a flora e a fauna, além de aportarem quantidades imensas de CO2 à atmosfera. A destruição simplesmente não é compensada pela natureza dentro do exíguo prazo de um ano, após o que, com a chegada de um novo verão, novos incêndios virão. O efeito acaba sendo cumulativo, e o resultado imediato da persistência deste quadro será a perda irreparável da totalidade da já minguada cobertura florestal ainda restante no planeta. Somem a isso a destruição deliberada dessas coberturas, promovidas pelas próprias mãos do Homo “sapiens”, orquestrada de forma também cada vez mais acelerada, como estamos vendo na Amazônia, por exemplo, e um desastre ecológico sem precedentes será inevitável, dentro dos próximos 10 ou 20 anos.

            Em setembro de 2023, o conselheiro-sênior da Organização Meteorológica Mundial (OMM) e pesquisador da Organização das Nações Unidas (ONU) John Nairn alertou que a tendência é que as ondas de calor comecem cada vez mais cedo, durem mais, e se tornem também mais intensas. É a primeira consequência emergente imediata do aquecimento global, cuja origem – não se discute mais – é antropogênica.

Combustíveis Fósseis

            Segundo Nairn, a receita básica para a solução do problema é simples: acabar com a queima de combustíveis fósseis. Sim, é muito simples mas, ao mesmo tempo, muito complexo. Na verdade, é impossível.

            Antes que me critiquem pelo uso do último adjetivo, deixem-me recordar um aspecto fundamental. É claro, podemos desenvolver novas tecnologias, limpas, ecologicamente amigáveis. Já estamos fazendo isso. Em parte. Com timidez. Em tese, a estratégia poderia ser eficaz, muito embora seus efeitos terapêuticos não fossem – de maneira nenhuma – imediatos. Mas mesmo assim, infelizmente, não podemos excluir a possibilidade de a estratégia vir a falhar, pois precisaríamos, de maneira paralela, encarar a hercúlea tarefa de reconstrução dos ecossistemas do planeta.

            O que tudo isso significa? Em primeiro lugar, pela ótica insana dos “sapiens“, perder dinheiro, muito dinheiro, quantidades astronômicas dele, embora, em princípio, também fosse basicamente muito simples: zerar desmatamentos, e recuperar a totalidade das áreas devastadas, incluindo os oceanos. Mas não bastaria zerar. Teríamos que inverter o sinal da derivada. De novo: muito simples mas, outra vez, ao mesmo tempo muito complexo. E repito: impossível.

Por Quê Impossível?

            Acabar com combustíveis fósseis, zerar desmatamentos, e recuperar a plenitude das áreas dos ecossistemas devastados não deveria ser rigorosamente impossível. E não é. Longe disso. Mas é! O nó górdio de tudo, advinhem, é o comportamento do Homo “sapiens”.

            Outro dia comentei com amigos que a raiz mais profunda e causa primeira do aquecimento global (que ninguém menciona…) é a devoção humana extrema à sua própria invenção denominada dinheiro. Recebi como resposta sorrisos curtos, discretos, que transmitiam, ao mesmo tempo um misto de ironia quanto a minha opinião, e também de desprezo, até mesmo pena, insinuando que eu estaria sendo ingênuo.

            Podem rir. Vou continuar insistindo. Mas, é óbvio, nada irá mudar. A sobrevivência da civilização humana restou inviabilizada por causa de uma bobagem – e enfatizo: bobagem – chamada dinheiro. E também pelo evangelho esdrúxulo e ilógico – erroneamente travestido de ciência – de um jogo sujo e cruel conhecido como Economia, que prega conceitos ridículos como a “lei” da oferta e da procura, de commodities, os memes do lucro, do comércio, de “riquezas”, de luxo, de consumo desenfreado sempre crescente, de dívidas, multas e juros, de vender ao invés de dar, de diferenças em lugar de igualdades, de distribuição desigual em lugar de igualitária, de culto ao egoísmo e à ganância em lugar do altruísmo e da fraternidade, de vencedores e derrotados, da lei selvagem da sobrevivência do mais forte, como se tudo isso fosse inescapável.

            Para reverter este quadro, só com profunda reprogramação memética, isto é, com muita Educação. Mas, infelizmente, isto demandaria grandes quantidades de uma coisa que já não temos: tempo. Ainda mais quando consideramos a magnitude das mudanças comportamentais,  éticas e morais abrangentes que seriam necessárias num intervalo de tempo curtíssimo. Assim, percebe-se que já é tarde demais. Não há mais o que fazer.

            A devoção extremada dos “sapiens” a esta religião fundamentalista fanática que coloca o dinheiro acima de absolutamente todo o resto é a responsável direta pela assinatura da nossa sentença de condenação à morte. E podem perder as esperanças e ter certeza: a natureza não vai acatar nenhum pedido de piedade ou clemência. Todos vão ser indeferidos. Abusamos muito. Já estamos completamente desnudados, imobilizados, inteiramente expostos e a receber as primeiras de muitíssimas chibatadas com laços de couro e pregos. Vamos sentir dores atrozes, retorcer, gritar, chorar, lamentar, implorar, xingar – tudo em vão. Sangraremos muito antes do golpe final do carrasco. Nem deuses nem ET’s virão nos salvar. E depois, nossos cofres e carros-fortes, abarrotados de joias, barras de ouro e dólares, serão arrastados pelas enchentes, junto com nossos cadáveres pútridos,  cartões de crédito e boletos impagos, todos sendo depositados com indiferença no fundo remoto do lodo oceânico, deixados lá para apodrecer. No frio e na escuridão. De onde nunca deveriam ter saído. Anotem.

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* Astrônomo, presidente do conselho curador da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica.

www.luizaugustoldasilva.com

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www.redeomegacentauri.org

20231225

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