Túnel do Tempo – Memórias de um Astrônomo

Há 50 Anos… QUE COMETA FOI AQUELE?

Luiz Augusto L. da Silva*

            Em 1970 eu tinha 9 anos e cursava a terceira série do ensino fundamental. Certa noite, creio que no outono, minha mãe me acordou dizendo para eu ir até o quintal, pois meu pai queria mostrar-me um cometa. Levantei tonto de sono, vesti um casaco e saí. O ar estava fresco, e a noite estreladíssima. Sim, as noites portoalegrenses ainda tinham bastante estrelas, antes que as lâmpadas de vapor de mercúrio aparecessem para cuidar da iluminação pública.

            Meu pai olhou para cima e apontou-me algo. Confesso que, apesar da curiosidade e do esforço, não lembro de ter conseguido ver o tal cometa. Aliás, que cometa teria sido?

            No prólogo do meu Atlas Pessoal de Nuvens e Óptica Atmosférica, publicação da Rede Omega Centauri, especulo que talvez fosse o cometa Bennett (C/1969 Y1). Durante o ano de 1970, vários cometas atingiram visibilidade a olho nu. Além dele, também tivemos o cometa Tago-Sato-Kosaka (C/1969 T1), o cometa Abe (1970-g), o White-Ortiz-Bolelli (1970-e), e o P/2 Encke, famoso por ser o cometa de período mais curto conhecido (pouco mais de 3 anos). Outro cometa que também costuma ser citado, é o Suzuki-Sato-Seki, descoberto em 19 de Outubro daquele ano. Mas este só atingiu a magnitude 7, ostentando uma cauda de meio grau. Teria sido necessário um binóculo para visualizá-lo. Como já deve ter dado para perceber, os anos 1960 e 1970 foram a era de ouro dos astrônomos amadores japoneses descobridores de cometas.

            Na busca pela resposta à pergunta do título, também podemos eliminar o cometa Encke, cuja periodicidade foi estabelecida pelo astrônomo alemão Johann Franz Encke (1791 – 1865), porque ele só alcançou a quinta magnitude, com cauda de comprimento inferior a um grau.

            Também não poderia ter sido o cometa Abe, décimo quinto cometa a atingir o periélio naquele ano. Ele foi descoberto pelo jovem fazendeiro e astrônomo amador japonês Osamu Abe na constelação de Aries (Carneiro), aos 3 de Julho. A sua magnitude máxima não superou 5.5,  e a cauda não ultrapassou o tamanho aparente da Lua Cheia.

            O cometa White-Ortiz-Bolelli foi o primeiro a atingir o periélio em 1970. Pertencente ao chamado Grupo de Kreutz de cometas rasantes ao Sol, foi descoberto em 18 de maio por G. L. White, australiano, então estudante, com magnitude 2. Três dias mais tarde, o piloto Emilio Ortiz, da Air France, encontrou independentemente o  cometa, enquanto voava sobre o Oceano Índico. Apenas algumas horas mais tarde, ele também foi visualizado pelo astrônomo Carlos Bolelli, do Observatório Inter-Americano de Cerro Tololo, no Chile. Justiça seja feita, o astrônomo amador brasileiro Vicente Ferreira de Assis Neto também o descobriu independentemente, aos 23 de Maio. O periélio tinha sido alcançado em 14 de Maio, a apenas 1.35 milhão de quilômetros do Sol, e a cauda chegou a atingir 10 graus de comprimento.

            Poderia ter sido este? Talvez. Mas dois outros cometas ainda se destacaram naquele ano. Analisemos primeiro o cometa Tago-Sato-Kosaka, descoberto com magnitude 9 em 10 de Outubro de 1969 por Akihiko Tago, Yasuo Sato e Kouzou Kosaka. Foi o nono cometa a passar pelo periélio em 1970. Na virada do ano 1969 para 1970 já se apresentava como um astro de magnitude 2.5, de acordo com as observações do astrônomo carioca Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, realizadas no Observatório Nacional. Também foi observado por outros papas da astronomia brasileira, como Luiz Eduardo da Silva Machado, no Observatório do Valongo, também no Rio de Janeiro, Vicente Ferreira de Assis Neto (no Observatório do Perau, MG), e José Manoel Luiz da Silva, do Observatório do Colégio Estadual do Paraná, na cidade de Curitiba.

            Já o cometa Bennett alcançou magnitude zero no final de Março de 1970, apresentando uma cauda com comprimento máximo de 20 graus.

O cometa Bennett, em Março de 1970 (British Astronomical Association).

            Segundo cometa a passar pelo periélio naquele ano, havia sido descoberto em 28 de Dezembro de 1969 com magnitude 8.5 na constelação austral de Tucana (Tucano), pelo astrônomo amador sul-africano John Bennett. No periélio, aos 20 de Março, sua magnitude alcançou 0.7. No Brasil, além dos pesquisadores que já referimos, juntaram-se ao time de observadores daquele cometa o decano Nelson Travnik, do Observatório Flammarion, em Juiz de Fora, MG, e o saudoso Jorge Polman, do Clube Estudantil de Astronomia, em Recife. Com período calculado em 1678 anos, este astro só retornará no ano 3648!

            White-Ortiz-Bolelli ou Bennett? Pessoalmente inclino-me pelo último, pois o brilho do primeiro decaiu muito rápido. E o Bennett foi o cometa mais brilhante daquele ano. Além do mais, o White-Ortiz-Bolelli estava no hemisfério celeste norte, e o Bennett, no sul. O White-Ortiz-Bolelli teria sido visto na segunda metade de maio. Naquela época,  costumava fazer muito frio naquele mês. E como eu disse, na abertura da coluna, a noite estava apenas fresca. Recordo-me, também, de ter olhado na direção vertical, e para o sul.

            Bem, creio que jamais saberei com certeza. A informação exata está irremediavelmente perdida nas brumas do túnel do tempo. O que, sim, recordo é que, quatro anos depois, tentei localizar o midiático e infame cometa Kohoutek (1973-f) durante o verão de 1974, sem sucesso. Naquela época, eu mal diferenciava Órion do Cruzeiro do Sul. Ademais, o cometa decepcionou a todos: seu brilho máximo, anunciado como  magnitude -10, (quase uma Lua Cheia!) não passou da magnitude -3 no periélio, em 28 de Dezembro de 1973. Quando se afastou do Sol sua magnitude despencou de zero, após o dia de Ano Novo, para 7 no final do mês de Janeiro. O Kohoutek foi mesmo o 1973-f, f de fracasso…

            Meu primeiro cometa ainda teria que esperar mais 6 anos, até Janeiro de 1980, quando observei o cometa Bradfield (1979-l), alto e em céu escuro, não muito longe do pólo sul celeste. Mas isto é história para outra oportunidade.


*Luiz Augusto L. da Silva é astrônomo, e observa estrelas, cometas, e outros astros fugazes desde 1973. (www.luizaugustoldasilva.com)

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