Curiosidades

A LUA É ÔCA?!

Luiz Augusto L. da Silva*

            Essa ideia esdrúxula foi sugerida pela primeira vez no terreno da ficção científica pelo escritor inglês H. G. Wells (1866 – 1946) em sua novela The First Men in the Moon, publicada no ano de 1901. E foi retomada em 1970 por dois autores russos, Mikhail Vasin e Alexander Shcherbakov, da Academia Soviética de Ciências, escrevendo na revista popular sensacionalista Sputnik. Em tempos mais recentes, acabou abraçada pelos adeptos da teoria dos deuses astronautas, tendo sido abordada na série televisiva Ancient Aliens (temporada 11, episódio 11), uma das inúmeras que graçam hoje por aí, prestando imenso desserviço à educação científica. De acordo com eles, a Lua seria uma espécie de astronave alienígena, algo parecido com a Death Star de Star Wars.

            O melhor argumento que se pode dar para rebater a tese absurda de que a Lua seria ôca é o valor do seu momento de inércia. Considerando a Lua como uma esfera sólida, sendo sua massa M igual a 7.345 x 1022 kg, e seu raio R igual a 1.738 x 106 m, o momento de inércia I resulta igual a:

            I = 2MR2/5 = 8.8747 x 1034 kg.m2

            O valor real do momento de inércia lunar é I = 8.8349 x 1034 kg.m2, em excelente concordância com o valor calculado quando se considera que ela seja uma esfera sólida, com preenchimento interior homogêneo.

            Se a Lua fosse ôca, isto é, uma casca esférica, seu momento de inércia seria calculado por:

            I = 2MR2/3 = 14.791 x 1034 kg.m2

valor que resulta igual a quase o dobro do valor real do momento de inércia da Lua. Logo, definitivamente nosso satélite não é ôco.

Terra

            Um raciocínio essencialmente similar pode ser aplicado ao caso do nosso planeta, a Terra, para demonstrar que ele também não pode ser ôco. O momento de inércia terrestre pode ser escrito como

            I = 0.331MR2

Note que o coeficiente 0.331 é numericamente mais próximo de 2/5, ou 0.4, do que de 2/3 (0.67).

            A ideia de uma terra ôca foi apresentada pela primeira vez pelo astrônomo inglês Edmond Halley (1656 -1742) em 1692. E foi levada para a ficção por Ludvig Holberg (1684 – 1754), escritor dinamarquês,  em 1741, no romance As Viagens Subterrâneas de Niels Klim. E por mais incrível que possa parecer, modernamente ela também possui adeptos. Adeptos que acreditam, inclusive, na existência de um reino interior, o reino de Agarta, iluminado por um hipotético sol central, um ambiente habitado por seres supostamente mais adiantados do que os humanos, denominados genericamente de intraterrestres. Tudo isso é puro delírio, obviamente.

Mundos vazios

            Mas o fascínio por planetas ou satélites internamente vazios vai mais além. Em seu livro Eram os Deuses Astronautas?, o autor suíço Erik von Däniken (1935 –      ) especula, entre um festival de outras besteiras, que a lua marciana Phobos poderia ser um satélite artificial ôco, baseado nas características da sua órbita, que está em lento decaimento em relação à superfície do planeta. Deixamos para o leitor a tarefa de se convencer que Phobos também não pode ser um mundo vazio. Para isto, considere a massa 1.06 x 1016 kg e o raio médio 11.3 km. Mas lembre-se: Phobos não é esférico, assim seus cálculos serão somente aproximados. Burša (1988, Earth, Moon, and Planets, 42, 49) concluiu que Phobos poderia ter sido um satélite formado a partir da acreção de material primordial na órbita marciana, contrariando a hipótese tradicional de que tanto ele quanto a outra lua, Deimos, seriam asteroides capturados pelo planeta vermelho.

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Luiz Augusto L. da Silva é astrônomo, e desde 1973 exercita seu senso crítico, ao avaliar ideias absurdas.

(www.luizaugustoldasilva.com)

20230505

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