Curiosidades

O FUNDO DO POÇO

Luiz Augusto L. da Silva*

            Para aqueles que odeiam a estação mais fria do ano, o encurtamento dos dias e o consequente alongamento das noites, que se acentuam durante o outono até o início do inverno, constituem fenômenos deprimentes…

            Se a órbita da Terra fosse perfeitamente circular,  o Sol percorreria a linha da eclíptica (projeção da órbita terrestre no céu) com velocidade angular constante. Então, no dia do solstício de inverno, que costuma acontecer ao redor de 21 ou 22 de Junho, para os habitantes do hemisfério sul, o Sol teria ocaso mais cedo, e nasceria mais tarde.

            Sem embargo, as coisas não são tão simples assim. A órbita terrestre é uma elipse de baixa excentricidade (e = 0.0167). Disso resulta que alguns dias antes do solstício, o Sol já começa a se pôr mais tarde, enquanto continua a nascer mais tarde por vários dias depois da data solsticial! Apesar disso, a duração da noite continua aumentando, e será máxima exatamente no solstício. Ademais, podemos ter mais de uma noite mais longa por ano!

            Na tabela abaixo, fornecemos os instantes de nascer e pôr do Sol, juntamente com a duração do fotoperíodo (intervalo de tempo entre o nascer e o ocaso solar), calculados para o ano de 2023, entre Junho 01 e Julho 12, na posição da residência do autor (Tranquility Base, no interior do município de Novo Hamburgo, sul do Brasil). Grosso modo, os dados da tabela aplicam-se também para a cidade de Porto Alegre, situada 40 km mais para o sul, e também para toda a região metropolitana da capital gaúcha.

DATA NASCER DO SOL OCASO DO SOL FOTOPERÍODO
Jun. 01 07:11 17:32 10:21
02 07:11 17:32 10:21
03 07:12 17:32 10:20
04 07:12 17:31 10:19
05 07:13 17:31 10:18
06 07:13 17:31 10:18
07 07:14 17:31 10:17
08 07:14 17:31 10:17
09 07:14 17:31 10:17
10 07:15 17:31 10:16
11 07:15 17:31 10:16
12 07:16 17:31 10:15
13 07:16 17:31 10:15
14 07:16 17:31 10:15
15 07:17 17:31 10:14
16 07:17 17:31 10:14
17 07:17 17:31 10:14
18 07:18 17:32 10:14
19 07:18 17:32 10:14
20 07:18 17:32 10:14
21 07:18 17:32 10:14
22 07:19 17:32 10:13
23 07:19 17:33 10:14
24 07:19 17:33 10:14
25 07:19 17:33 10:14
26 07:19 17:34 10:15
27 07:19 17:34 10:15
28 07:20 17:34 10:14
29 07:20 17:35 10:15
30 07:20 17:35 10:15
Jul. 01 07:20 17:35 10:15
02 07:20 17:36 10:16
03 07:20 17:36 10:16
04 07:20 17:37 10:17
05 07:19 17:37 10:18
06 07:19 17:37 10:18
07 07:19 17:38 10:19
08 07:19 17:38 10:19
09 07:19 17:39 10:20
10 07:19 17:39 10:20
11 07:19 17:40 10:21
12 07:18 17:40 10:22

Tabela1

Instantes de nascer e ocaso do Sol, e duração do fotoperíodo diário para o intervalo entre Jun. 01, 2023 e Jul. 12, 2023, calculados para a posição da residência do autor.

            A partir dos dados da tabela, verificamos que entre os dias 04 e 17 de Junho de 2023, o Sol se põe o mais cedo possível (17:31), mas o fotoperíodo continua minguando lentamente, pois o Sol ainda continua retardando o seu horário de nascer.

            Em 2023, o solstício de inverno para o hemisfério sul vai acontecer dia 21 de Junho, às 11:58 (horário de Brasília). Entretanto, o fotoperíodo mais curto  será somente no dia seguinte, 22, com 10 horas e 13 minutos. Isto assegura que teremos duas noites mais longas, em 21 para 22, e 22 para 23 de Junho.

            Com relação ao nascer do Sol, ele continua se retardando até atingir o horário mais tardio (07:20), entre 28 de Junho e 04 de Julho.

            Outra coisa que chama a atenção são  as variações extremamente lentas, tanto na duração do fotoperíodo, quanto nos horários de saída e ocaso do Sol. Isto se deve ao fato de a declinação solar variar muito lentamente nas vizinhanças dos solstícios. Com efeito, ao longo de todo o mês de Junho, a declinação do Sol varia desde +22o00’24” (às 0h do dia 1), atingindo valor máximo de  +23o26’25” (no instante exato do solstício, ou seja, 11:58 do dia 21), e reduzindo para +23o11’26” (às 0h do dia 30), uma variação líquida total de apenas 1.2 graus ao longo de todo o mês.

            Conforme marchamos a caminho do próximo equinócio, que ocorrerá em Setembro, assinalando o começo da primavera para o hemisfério austral, as variações diárias da declinação, dos horários de nascer e ocaso solar, e da duração do fotoperíodo vão  se acelerando.

            Durante excruciantes duas semanas, entre os dias 4 e 17 de Junho, o Sol se põe o mais cedo em nossa latitude (17:31). A redenção vem a partir do dia 18, quando ele vai se pôr um minuto mais tarde, muito embora mantenha este novo horário por mais cinco dias. Mesmo assim, para os que sofrem de depressão por causa do inverno, um minuto a mais de luz do dia já significa um grande alento…

            E embora o nascer do Sol continue estagnado, ocorrendo o mais tarde possível entre 28 de Junho e 4 de Julho, o fotoperíodo já vai aumentando, graças ao lento retardar do ocaso solar a cada dia. Já na transição de Junho para Julho um observador atento vai notar que está começando a escurecer mais tarde, embora de manhã, ainda não seja possível notar que o clarear do dia se antecipa.

            Outra curiosidade diz respeito à noite mais longa do ano. A rigor, ela seria uma só, coincidindo com a data do solstício de inverno. A tradição popular diz que a noite mais longa do ano acontece no dia de São João, que é comemorado em 24 de Junho. Quem está com a razão? Rigorosamente falando, seria errado supor que a noite mais longa do ano caísse no dia 24, pois o solstício acontece dois ou três dias antes. Mas vejam a tabela 2.

DATA NASCER DO SOL OCASO DO SOL FOTOPERÍODO
2003 Jun. 19 07:19 17:32 10:13
20 07:20 17:32 10:12
21 07:20 17:32 10:12
22 07:20 17:33 10:13
23 07:20 17:33 10:13
24 07:20 17:33 10:13
25 07:21 17:33 10:12
26 07:21 17:34 10:13

Tabela 2

Instantes de nascer e ocaso do Sol, e duração do fotoperíodo diário para o intervalo entre Jun. 19, 2003 e Jun. 26, 2003, calculados para a cidade de Porto Alegre. Fonte: Efemérides Astronômicas 2003, Observatório Nacional do Rio de Janeiro.

            Em 2003, o solstício de inverno para o hemisfério sul aconteceu dia 21 de Junho, às 16 horas. Note-se que naquele ano tivemos nada menos que cinco noites mais longas (fotoperíodos mais curtos): as noites dos dias 19 para 20, 20 para 21, 21 para 22 e depois mais duas noites com duração máxima,  no dia 24 para 25 (noite das tradicionais fogueiras de São João, hoje aparentemente cada vez mais esquecidas), e 25 para 26!

            Voltando-nos novamente para os depressivos, é bom ressaltar que o início do inverno astronômico para o hemisfério sul, que é assinalado pelo solstício de Junho, marca o fim da marcha solar para o norte do equador celeste. Ou seja, diferente do que a maioria das pessoas pensa, ao menos em termos astronômicos, a pior estação não seria o inverno, mas sim o outono, pois é aí que o Sol se afasta para o hemisfério celeste boreal, aparecendo cada vez mais baixo no céu, reduzindo a insolação, e o fotoperíodo. A partir do solstício de Junho, o Astro-Rei recomeça a subir no firmamento. Muito embora o inverno climatológico continue plenamente estabelecido, a cada dia que passa os dias alongam um pouco, as noites encurtam, e a altura solar na passagem meridiana também vai ficando maior, garantindo um incremento diário na taxa de insolação. É a certeza de que, após mais um sofrido período de frio e escuridão, algum dia a luz e o calor retornarão, para o acalento daqueles que detestam invernos!

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Luiz Augusto L. da Silva é astrônomo desde 1973. Deveria apreciar as longas noites invernais mas, a cada ano também é acometido de depressão sazonal, passando a contar os dias que faltam para o  equinócio de primavera…  

(www.luizaugustoldasilva.com)

20230709

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