Opinião

TRÊS ESCALAS DE TEMPO PARA O SUICÍDIO

Luiz Augusto L. da Silva *

            A civilização tecnológica edificada pelo Homo “sapiens” é uma sociedade grotesca de macacos. Macacos, sim. Nosso DNA é pelo menos 98.7% idêntico ao dos nossos primos de primeiríssimo grau aos quais chamamos de chimpanzés. Ponto final.

            Isto posto, vamos a outras duas questões indiscutíveis. Não adianta espernear: somos filhos legítimos do mais puro e cego acaso. Devemos a nossa existência a aquele asteroide que caiu faz 65 Mega-anos na tropicália paradisíaca hoje conhecida como Cancún, e que foi o responsável por liquidar de vez com os dinossauros. Não fomos criados por nenhum ser sobrenatural cheio de poderes, nem possuímos predestinação alguma para o que quer que seja. Não existe carma, nem prêmio, nem castigo. Simplesmente existimos. As leis invioláveis da Física permitiram que estivéssemos aqui hoje, vivendo este momento extremamente conturbado.

            Segundo ponto: praticamos um jogo cruel de vida e de morte, uma luta encarniçada e permanente de gladiadores, onde só existem vencedores e derrotados. Este jogo se chama Economia. Além de impiedoso, ainda pretende ele travestir-se de ciência. Na realidade, alguém de sã consciência não poderia qualificá-lo nem mesmo como a mais vagabunda de todas as pseudociências. Embora taxada de “universal”, a Economia é apenas um evangelho arbitrário e, ao mesmo tempo, dotado de regras, a serviço de um sistema imundo denominado capitalismo, a mais fanática de todas as religiões que fomos capazes de inventar, e que vem servindo de mola mestra impulsora da civilização global existente no planeta Terra.

Educação

            Somos gananciosos por condicionamento genético, moldados também por fatores culturais, cultivados através de milhares de anos. Genes e memes determinam o nosso comportamento primitivo.

            Este comportamento poderia ser modificado com a implementação de uma estratégia abrangente de reprogramação memética, ou Educação. Mas não desejamos implementá-la. Mesmo se quiséssemos, não haveria mais tempo para isso. Já é tarde demais.

            A sua execução significaria condenar à morte alguns dos memes mais sagrados que adoramos: comércio, lucro, dinheiro, dívidas, juros, “riquezas”… Em seu sentido mais amplo, representaria a substituição do verbo vender pelo verbo dar.

            Pior ainda: se prescindíssemos de tudo aquilo sem sermos realmente educados, precipitaríamos o colapso total da civilização, mergulhando da noite para o dia em um caos incomensurável.

            A inteligência avançada autoconsciente provavelmente não é uma vantagem adaptativa do ponto de vista da evolução por seleção natural darwiniana. Assim, é provável que sejamos uma espécie de acidente de percurso, um tipo de evento relativamente raro no Universo. A consciência dessa realidade deveria constituir-se noutro fator para que lutássemos pela nossa autopreservação e sobrevivência. Mas não tem sido assim.

Primeira Escala

            t ≈ 1 ano. A hecatombe nuclear. O armagedon tecnológico está a bater em nossas portas. Pode acontecer a qualquer momento. A Guerra Fria terminou há muito, mas a situação continua extremamente perigosa. A bipolaridade simples de outrora foi substituída por um panorama muito mais complexo, onde se inserem ameaças de todos os tipos, desde aquelas de natureza estratégico-militar e geopolíticas, até atos de terrorismo em potencial, propelidos por fanatismo religioso. Um pequeno engano pode acarretar o fim. E repetimos: a qualquer momento.

Segunda Escala

            t ≈ 10 anos. O avanço desenfreado da Inteligência Artificial (IA). Estamos criando um monstro de comportamento imprevisível, e que poderá facilmente escapar ao nosso controle. Poderemos ser escravizados, ou simplesmente exterminados por intelectos não naturais muitíssimo superiores aos mais brilhantes cérebros humanos. Ou não. Não sabemos.

            Mas os riscos existem, e são muito grandes. Uma roleta russa. Até mesmo os pesquisadores envolvidos com a criação e com o aperfeiçoamento da IA estão receosos. As coisas estão andando rápido demais. Mesmo se resultar benéfica, a IA vai criar legiões imensas de seres humanos inempregáveis, ou seja, completamente inúteis e sem nenhum valor, dentro da ótica insana da visão capitalista. Em um mundo regido pela divindade Dinheiro, isso se traduzirá num problema de dimensões astronômicas.

            E já começou. Recentemente, a IBM anunciou que não irá contratar mais nenhum indivíduo de carne e osso para exercer funções que poderão ser executadas por algoritmos de IA. E isso, com toda a certeza, é só a ponta do iceberg. Tem muito mais por vir. No futuro muito próximo, os algoritmos farão praticamente tudo. E o que vai sobrar para todos nós?

            Estamos desenvolvendo a inteligência artificial com sofreguidão, para maximizar nossos lucros e cortar despesas. Podemos acabar cortando os pulsos da civilização.

Terceira Escala

            t ≈ 100 anos. Colapso ambiental generalizado. A ameaça mais remota, mas que já se faz sentir hoje, é, paradoxalmente, a mais comentada e divulgada pela mídia. O aquecimento global, que se acelerou a partir de 1980, é o componente mais conhecido do problema, mas não é o único. Entretanto, talvez seja o mais ameaçador de todos, pois ainda não dispomos de modelos suficientemente desenvolvidos capazes de gerar predições confiáveis acerca do que poderá acontecer. Não se pode até mesmo excluir a possibilidade de um efeito estufa descontrolado, que venha a elevar a temperatura média planetária a patamares insuportáveis, com consequências abrangentes, catastróficas e, talvez, irreversíveis.

Homo tamagotchii

            Enquanto tudo isso vai acontecendo, a imensa maioria das pessoas seguem desavisadas, inconscientes da magnitude dos perigos que nos espreitam. Tudo pode ser esquecido, no aterrissar dos olhos nas telinhas mágicas dos smartphones, onde qualquer preocupação é exorcizada em uma fração de segundo com o rolar da ponta de um dedo.

            A tecnologia estupenda, que poderia ser empregada para tantas finalidades realmente importantes resulta, na maioria dos casos, desperdiçada com frivolidades consumistas, mensagens e vídeos sem conteúdo, mexericos, fofocas, fake news, agressões, até mesmo crimes e golpes digitais.

            Transformado em tamagotchi de gente adulta, o celular tornou-se o instrumento universal de dominação, através do qual o sistema vigente esvazia as cabeças das pessoas, convertendo-as em viciados, escravos de uma ditadura global dissimulada.

            Não podemos perder mais tempo com abordagens rebuscadas, gestos vazios, e discussões complexas, que conduzem a lugar nenhum. É preciso enxergar e atacar, sem meias palavras, a raiz mais profunda de todos os nossos problemas: o fascínio pelo dinheiro. Deste, ninguém vai abrir mão. Somos todos suicidas. Haverá futuro?

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* Astrônomo, presidente do conselho curador da Rede Omega Centauri para o Aprimoramento da Educação Científica.

www.luizaugustoldasilva.com

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www.redeomegacentauri.org

20230621

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