Túnel do Tempo – Memórias de um Astrônomo

Daqui a 82 Anos… O ECLIPSE SOLAR TOTAL DE 08 DE JANEIRO DE 2103

Luiz Augusto L. da Silva*

            Porto Alegre, segunda-feira, 8 de janeiro de 2103. Naquela data histórica, a capital gaúcha estará encerrando um jejum de 684 anos sem assistir a um eclipse solar total. O último aconteceu em 19 de setembro de 1419, 73 anos antes de Cristóvão Colombo ter “descoberto” a América!  É claro, a cidade ainda nem existia. Sua posição geográfica era uma vasta área pantanosa, um charco onde convergiam diversos rios, antes das águas escoarem para a Lagoa dos Patos. Aquele evento foi o único eclipse solar total visível na localização de Porto Alegre durante o segundo milênio.

            Em 2103, no oitavo dia do ano, às 16 horas, 03 minutos, e 41 segundos, horário de Brasília, a noite vai cair em plena tarde na Rua da Praia, no Cais do Porto, sobre o Mercado Público. Em Ipanema e no Gasômetro. E não será um temporal! Durante 2 minutos e 4 segundos vai ser possível ver as estrelas mais brilhantes luzindo no céu em meio a uma claridade crepuscular estranha e profunda. Na direção do Guaíba, a 42 graus de altura sobre o horizonte oeste, brilhará um sol negro temporário, ornado por uma coroa perolada, acompanhado pelos planetas Vênus (mais acima, à direita) e Júpiter, Marte e Mercúrio (embaixo, à esquerda).

Fig. 1 – Simulação da totalidade sobre o Lago Guaíba, no meio da tarde de 8 de janeiro de 2103. Crédito das imagens: André Ávila/RBS (lago); Miguel Claro (eclipse solar total de 2 de julho de 2019 em La Serena, Chile). Composição: L. A. L. da Silva/Núcleo de Astromídia, Rede Omega Centauri

            O eclipse iniciará às 14horas, 52 minutos e 27 segundos com o primeiro contato da Lua com o disco solar. A fase parcial, que antecede à totalidade, irá se tornar gradativamente mais dramática, até o início da fase central, encurralada entre dois anéis de diamantes no curto clímax do fenômeno. A partir daí, até às 17 horas, 09 minutos, e 14 segundos, a Lua irá descobrindo paulatinamente o disco solar. Fenômeno igual só voltará a acontecer em 29 de setembro de 2285, um hiato de mais 182 anos! Os eclipses de 2103 e 2285 serão os únicos solares totais em Porto Alegre durante todo o terceiro milênio!

Fig. 2 – Simulação da totalidade no eclipse solar de 8 de janeiro de 2103 em Porto Alegre, mostrando as posições dos planetas Vênus, Júpiter, Marte e Mercúrio relativamente ao Sol (Stellarium).

Cápsula

            No Núcleo de Astromídia da Rede Omega Centauri, os releases distribuídos aos veículos de comunicação versando sobre fenômenos astronômicos interessantes são normalmente preparados com algumas semanas de antecedência, e enviados alguns dias antes. Mas estamos cogitando uma exceção: uma espécie de cápsula do tempo, onde encerraremos informações sobre aquele evento extraordinário, a serem liberadas para a mídia um mês antes do eclipse! Aliás, estamos pensando em fazer o mesmo para outros eventos raríssimos, como a ocultação do planeta Júpiter por Vênus, que acontecerá em 22 de novembro de 2065, apesar de sua visibilidade sofrível, em função da pequena elongação  (apenas 7.8 graus a Oeste do Sol), e a ocultação de 11 de agosto de 2079 de Marte por Mercúrio.

Interrogações

            Como será a Porto Alegre do ano 2103? Uma cidade aprazível, agradável e tranquila, ou um centro urbano decadente, em ruínas? Como vai estar o efeito estufa? E a temperatura média do planeta? Mais 3 graus Celsius, 5, 6? Mais? Menos? A cidade ainda será conhecida como “forno alegre” durante o verão? O calendário gregoriano ainda estará em uso?

            E as pessoas? Viverão felizes, ou experimentando um inferno? Serão governadas por indivíduos de carne e osso, ou escravizadas por inteligências artificiais avançadas? E o meio ambiente? Ainda haverá um meio ambiente natural? Quantos habitantes existirão na capital gaúcha em 2103? Ainda estarão viciados em tamagotchis?

            A vida, em geral, será melhor que hoje? Pior? Ainda haverá ricos e pobres? E os restaurantes? E as praças? A rua encantada de Mário Quintana – aquela que nem em sonhos ele sonhou – ainda existirá? As pessoas viverão centenas de anos, terão conseguido vencer a morte, ou a civilização humana já terá capitulado perante ela?

            Vai chover no dia do eclipse, ou desfrutaremos de um céu de brigadeiro? Já será possível controlar as condições meteorológicas locais, em ordem a garantir a boa visibilidade do fenômeno?

            Predizer e tentar caracterizar o futuro é tarefa inglória, para não dizer impossível. Um olhar para o passado mostra que quem tentou realizar tal proeza quase sempre deu com os burros n’água. O futuro sempre encerrará mais perguntas do que respostas. Quem viver, verá… Talvez.

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*Luiz Augusto L. da Silva é astrônomo, e desde 1973 aguarda com grande ansiedade pelo dia deste eclipse…

(www.luizaugustoldasilva.com)                                                    

        

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20210414

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